Publicar a Nota para conhecimeno público era dever do min. Silvio Almeida
por J. Berlange Andrade
Publicar Nota esclarecedora de fatos escabrosos era dever do
ministro Silvio Almeida, pena de ficar preso ao pelourinho de fogo do tribunal
do senso comum, carimbado como prevaricador.
O instituto da Opinião Pública nasceu na modernidade como instrumento necessário à proteção dos indivíduos e das corporações da sociedade civil, na medida em que foram privados de sua capacidade de autodefesa porque os teóricos do contrato social decidiram entregar ao Estado o monopólio do uso da violência organizada, ou seja, a força das armas.
Foram os burgueses que primeiro organizaram as associações mercantis que exerceram o direito de produzir as informações e os meios de difusão de fatos e opiniões que dão corpo à opinião pública. Depois vieram as corporações de ofício e, mais tarde, os sindicatos de trabalhadores, todos empenhados em produzir e divulgar dados e informações para a construção da opinião pública favorável a seus interesses.
Deste modo, a ciência política reconheceu o poder moral da opinião pública como vetor legítimo e necessário para que a sociedade civil possa controlar – sem armas – a gestão dos recursos e dos interesses públicos que a Constituição entregou aos agentes políticos. Pela pressão da mobilização social o sistema democrático do estado de direito deve garantir a formação da opinião que é construída para interferir na gestão das políticas e dos negócios públicos. Essa garantia tem fundamento na liberdade de expressão e de pensamento; na liberdade de organização; e no princípio da publicidade e da transparência dos atos públicos. Primeira tarefa desse conjunto que possibilita a formação da opinião pública pelo debate público: impedir a existência do inaceitável “segredo de Estado”; segunda: impedir “a censura” e, pois, extinguir a função de censor.
No nebuloso caso do ministro Silvio Almeida nós testemunhamos – na prática de um governo que se diz democrático e transparente – a tentativa de resgatar essas duas práticas varridas há muito pela história evolutiva do Estado de Direito. Além do equívoco de se tratar o direito de ampla defesa como se fosse uma ideia de sonoridade bonita, mas desprovida de efetividade material.
Aos fatos.
Se a ONG teve iniciativa de divulgar pela imprensa a imputação de fato criminoso ao Ministro de Estado, em vez de buscar as vias institucionais especializadas que o Estado disponibiliza; então, a ONG – de mão dada com um Jornalista - optou por usar o poder moral da Opinião Pública para escandalizar um evento liquefeito (de contornos e profundidade não esclarecidos, como recomenda a objetividade do direito) e sancionar um suspeito, de maneira vil e covarde. A dupla canceladora escolheu o modo, as armas e a arena onde deveria ser realizada a dialética do conflito.
Silvio Almeida, na posição e no exercício do cargo de Ministro de Estado, no uso de suas competências legais, decidiu apresentar uma nota de esclarecimento. Esclarecendo a motivação de seu ato: “A organização responsável pela divulgação das supostas denúncias possui histórico relacional controverso perante as atribuições desta pasta. Diante das informações amplamente compartilhadas, a equipe ministerial verificou uma sequência de fatos que merece ser elucidada, em respeito ao povo brasileiro”.
A nota esclarece que a ONG Me Too “esteve em negociação, em 2023, com as então gestoras da Coordenação-Geral do Disque 100, solicitando mudanças indevidas no formato da licitação vigente no MDHC. O posicionamento da organização era contrário à separação dos serviços ‘Ligue 180’ e ‘Disque 100’, decorrente da separação da pasta em relação ao Ministério das Mulheres. Cabe atenção ao fato de que, além de ser uma decisão política já tomada pelos ministérios envolvidos, sequer poderia estar sendo discutida com possível participante do processo licitatório".
Tomada a decisão de recusar a alteração solicitada pela ONG, a coordenadoria de controle também baixou o valor previsto na licitação para o contrato.
No parágrafo seguinte, a Nota relata as consequências que tiveram aparência de represália. “Dando seguimento aos encaminhamentos pactuados em reunião, em 10 de janeiro de 2024, a advogada Marina Ganzarolli enviou e-mail às gestoras supracitadas, parabenizando pelo trabalho desempenhado e apresentando, inapropriadamente, cerca de um mês depois a organização Me Too retomou a tentativa indevida de interferência no desenho da licitação em agenda com a Ouvidora Nacional dos Direitos Humanos, Luzia Cantal, ocorrida em 23 de fevereiro de 2024, sem sucesso.”
“Neste interregno, sobreveio denúncia anônima de assédio contra o então Coordenador-Geral da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, Vinicius de Lara Ribas, que, não coincidentemente, acompanhou com maior proximidade os trâmites de desenho da licitação na qualidade de Ouvidor Substituto, e passou a identificar inconsistências. Posteriormente, foram recebidos relatos informais de que a denúncia teria sido arquitetada pela Coordenadora-Geral do Disque 100, Kelly Garcez.
Diante das irregularidades verificadas no procedimento de desenho da licitação, Kelly Garcez foi exonerada no dia 15 de março de 2024, e, na mesma data, sua Coordenadora de Apoio, Yany Macedo Brum pediu demissão.
As situações acima narradas indicam que há outras circunstâncias a serem apuradas, com seriedade, para coibir abusos, assegurar a responsabilização de quem faz uso indevido da justiça e que possam envolver interesses escusos em torno dos recursos da administração pública. Mais do que isso, explicitam um modus operandi. com denúncias anônimas, infundadas e sem materialidade, sobre temáticas de assédio, que se repetem no cenário posto. A população brasileira merece uma apuração isenta e responsável de possíveis irregularidades e atos ilícitos, como forma de garantir a justiça e a integridade das pessoas envolvidas e das instituições democráticas.”
Como se pode facilmente constatar, esta segunda nota publicada na gestão ministerial de Silvio Almeida não é uma peça de defesa jurídica direta, quanto aos fatos que a ONG e a imprensa lhes imputaram. A nota não desmente a suposta vítima Anielle, nem defende a inocência de Sílvio com argumentação negacionista.
O que ele cobra da ONG/jornalismo é a descrição objetiva do gesto ou movimento seu que teria sido interpretado como assédio sexual. Sem a entrega dessa descrição ele não pode exercer defesa, o MP não pode acusar e o juiz, sem os fatos às mãos, também, não poderá julgar. O direito não lida com o conceito ou interpretação que a testemunha possa ter daquilo que ela afirma ter visto. O que é indispensável ao julgador é a entrega do fato, na representação de uma prova material ou na descrição testemunhal. O direito dá ao juiz e à opinião pública o critério de interpretação do fato exposto. E cada detalha importa para a definição e classificação do fato jurídico, modificando e hierarquizando o regime de tratamento. O gesto de tocar com as mãos sobre a perna da colega Anielle, desde logo, desclassifica a conduta: não seria um assédio, mas um importunar. Esta cobrança Silvio fez numa interpelação judicial e não na Nota publicada.
Aquela Nota, já retirada do acesso público, era portadora de dados e informações sobre o comportamento
da ONG Me Too, interpretado pelos agentes públicos como tentativa de interferir na normatização do processo licitatório no
qual apresentou oferta de serviço para contratação futura. Contém, também, grave
denúncia sobre interferência de poderes que resultaram na demissão das servidoras que decidiram conforme a interpretação que tiveram da conduta dos dirigentes da ONG e, porque teriam assim cumprido seus deveres legais, foram demitidas por autoridade superior e, outro servidor, acusado anonimamente de ter praticado assédio sexual, também sem identificação de vítima e nem das circunstâncias de "o quê, onde, quando, como, porquê e para quê" - dados sem os quais nenhum julgamento, moral ou jurídico, pode ser feito com adequação moderna.
A primeira Nota foi publicada para divulgar a informação de que os fatos imputados à ONG como suspeitos de irregularidade, já haviam sido levados ao conhecimento dos órgãos de controle interno da Administração Pública Federal, e isto, antes de o ministro ter colocado essas informações na arena da Opinião Pública, para onde foi atraído conluio ONG/jornalista.
Exigir de Silvio Almeida escondesse a notícia desses fatos na sombra dos labirintos dos gabinetes da burocracia do governo, logo depois de ter sido covardemente espancado pela ONG no ringue aberto da Opinião Pública – além de extremar a covardia, suprimiria, na prática, a amplitude do seu sagrado direito de defesa!
A proibição e a retirada da Nota do site do MDHC não me consta estar autorizada por lei. Afinal, essa supressão – da visibilidade à opinião pública de informações que pode ter estreita conexão com a denúncia
praticada pela imprensa – pode ser facilmente interpretada como ato de censura, este sim, proibido expressamente pelo Art. 220, § 2º da Constituição de 1988.
Esta prática pode ser tomada, também, como uma ameaça que transporta riscos não apenas para a cidadania, mas, também, para a sociedade civil organizada.
Ao final, perguntar não ofende: o que está acontecendo neste caso? Já não basta o risco permanente do autoritarismo fascista?
Vídeo interessante: https://bit.ly/4gmdmSz
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