Não tem ditador, censura ou abuso. É o poder da soberania, cara
by J. Berlange Andrade
A transição da sociedade feudal para o Estado moderno só foi
possível graças ao desmonte do regime de fragmentação das forças
reais (exércitos e milícias) que legitimavam as decisões
políticas que faziam as escolhas entre a guerra e a paz.
Para o desmonte da pluralidade decisória dentro de um mesmo
território concorreram duas novidades: ¹ a ideia de Estado Nacional Unitário e o correlato
conceito de Soberania; ² a aplicação financeira feita pela categoria burguesa
emergente, movida pela riqueza, para fortalecer o poder militar do monarca
que exerceria os poderes da soberania, confundindo-se com o Estado
nascente.
O projeto desta nova plataforma social foi uma reação revolucionária
para superar a plataforma do regime feudal. A organização medieval do poder era
complexa e universalista, montada sobre dupla plataforma política: ¹ o papado;
e ² a monarquia, existindo, assim, duas ordens superiores, uma secular e
material e outra divina e espiritual.
Cabia à igreja o controle social da conduta do 3º Estado (povo),
legitimando o poder dos governantes sobre os súditos da coroa.
Sobre estas bases dividam-se os grupos em a estados (clero, nobreza e povo) e b categorias (clero secular x clero regular;
alta x baixa nobreza; campesinos, artesãs, profissionais liberais,
burgueses), sempre organizadas em hierarquias (privilégios pelo nascimento, função, títulos, condecorações, etc).
Então, era evidente a necessidade de unificar e
concentrar o poder com uma única finalidade: reunir numa única instância
suprema o monopólio do uso da força, tomando por base um determinado território
e uma determinada população igualitarizada como cidadania e submetida à soberania interna. Esta arquitetura
visava realizar e concentrar no Estado a máxima unidade e a máxima coesão
política interna, com o objetivo de se manter a paz interna, essencial para
enfrentar a luta numa guerra com outros Estados soberanos, na arena
internacional.
Externamente, caberia unicamente ao soberano político decidir assuntos de guerra
e da paz. A teoria iluminista assumiu que neste sistema de Estados as
autoridades não têm juiz algum acima de si próprios (nem o Papa ou o
imperador). O equilíbrio das relações internacionais será alcançado mediante a
guerra; que a guerra será cada vez mais disciplinada e racionalizada pelos
tratados do direito internacional.
Nas relações externas, um soberano trata os outros soberanos
como seus iguais; portando, independentemente do poder econômico ou militar, os
soberanos estão numa posição de igualdade.
Por outro lado, na esfera de seu território, o exercício da
soberania implica uma situação, ou
melhor, posição de absoluta supremacia: abaixo de suas decisões legais e
constitucionais encontram-se os súditos, cidadãos obrigados à obediência. Se optar livremente pela desobediência, sofrerá
a força da sanção legal. Não há escapatória.
É este o sentido da soberania. Não há, neste momento crítico da história brasileira, um embate entre Alexandre de Morais e Elon Musk. Essa impressão resulta de equívoco cometido pela imprensa nacional, totalmente envolvida na luta política em meio ao processo eleitoral. O que está acontecendo – e jornais do mundo todo estão dando o adequado destaque – é a desobediência de um empresário multimilionário, de nacionalidade norte-americana, às ordens da soberania brasileira.
Aqui, até se pode desenvolver uma análise para revelar os evidentes contornos de uma competição sistêmica: mercados versus governos, aqueles numa ofensiva escancarada para retirar do orçamento público toda receita originada de relações de consumo (água, energia, telecomunicações, petróleo, bancos, enfim, qualquer atividade de resultado rentável). Minimizar o Estado, isto é reduzir suas atividades ao modelo liberal clássico: Fazenda (arrecadar tributo), Segurança pública (massacrar a rebeldia do povo), sistema judiciário (controle dos comportamentos mediante a coercibilidade) e Defesa contra os inimigos externos (forças armadas).
Elon Musk, indignado com o exercício da soberania brasileira, diz que o ministro STF Alexandre de Moraes está cometendo abusos, agindo como ditador (curiosamente, não se indignou com a China ou com a Índia). Ora, o
Estado brasileiro - ao ameaçar com a sanção - põe às mãos do inconformado inúmeras ações e recursos de defesa para uso do cidadão dentro das garantias constitucionais. A reação adequada para deter ameaças injustas do Relator é a interposição de recurso para que o órgão colegiado se pronuncie, sempre representando a soberania do Estado, decidindo sobre o erro ou acerto da decisão de um de seus membros.
Pela força de princípios constitucionais, não existem
alternativas para contornar o poder da soberania. Ou o colegiado do STF revoga
a decisão monocrática do Xandão ou a empresa Starlink dos sócios de Musk vai ser obrigada a pagar multas
pesadíssimas; as contas bancárias já
estão bloqueadas e, legalmente, disponíveis à Corte Suprema do Brasil.
É assim que deve acontecer no Estado moderno de direito: ou a
soberania funciona ou o Estado Democrático sucumbe aos caprichos de empresários
arrogantes, endeusados por desinformados posicionados no 3º estado.
Para finalizar, oportuno perguntar: os satélites de Elon Musk escaneando desde o alto o território brasileiro, com autorização de Jair Bolsonaro e submissão de autoridades de segurança de seu governo, nega ou afirma a soberania do Estado Nacional?
https://bit.ly/3XqM2v9
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