A realização do Direito por Flavio Dino para combater incendio criminoso

 


by J. Berlange Andrade


O princípio da legalidade orienta não apenas a conduta do governante, mas, também, toda atividade da Administração Pública. Prefeito, governador e presidente estão impedidos de fazer tudo o que querem (ou prometem). Só podem ter iniciativa de ação, se autorizados por uma lei. É por isto que a pessoa que se gaba de ser um bom empresário, quase sempre se estrepa quando sai da iniciativa privada para o serviço público. Aqui, a regência é do princípio da liberdade: a pessoa é livre para fazer tudo que quiser, exceto aquilo que está proibido por lei.

O entendimento sobre como funciona essas duas plataformas de orientação das condutas é importante para interpretar a decisão que o ministro Flávio Dino acaba de editar e publicar:  como relator no STF determinou hoje, 27/8, que o governo federal mobilize, em 15 dias, o maior contingente de agentes das Forças Armadas, PF, PRF, Força Nacional e fiscalização ambiental para atuar de forma repressiva e preventiva no combate aos incêndios no Pantanal e na Amazônia.

O ministro avançou, autorizando a mobilização de recursos e meios para o alcance desses fins, determinando que o Executivo poderá editar Medida Provisória (MP) e que os equipamentos e materiais necessários devem ser deslocados, ou requisitados, ou contratados emergencialmente. A decisão de Flávio Dino ordenou a intimação, do ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, da Defesa, José Múcio Monteiro, e do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva. Os três devem comparecer a audiência de conciliação agendada para 10/9 próximo. Antes, esses três ministérios devem propor ao presidente Lula da Silva que abra créditos extraordinários para custear as novas ações emergenciais, se assim for necessário, inclusive por meio da edição de medida provisória.

 Nestes tempos de rebeldia impulsionada pela ignorância de uns e má-fé de outros, é esperado uma ampliação da gritaria contra o ‘abuso de poder’ do STF e denúncias de ‘usurpação dos poderes do Congresso, único legitimado para editar leis autorizativas das ações do Executivo’. 

Fazer lei é um monopólio exclusivo de deputados e senadores?  Só os eleitos podem editar lei autorizativa ou proibitiva de condutas?

A resposta deve começar pela medição do alcance da palavra ‘lei’, usada, por exemplo, na garantia do Art. 5º, II, da Carta de 88:

”ninguém será obrigado afazer ou deixar de fazer, senão em virtude de lei”.

Antes de Hans Kelsen, havia a tendência de se restringir o uso da palavra lei apenas ao ato político praticado pelo parlamento. A partir da Teoria Pura do Direito, porém, a ideia de lei foi universalizada na função normativa dos atos que – possuindo força de criar, modificar ou extinguir direitos – possibilitam o emprego da sanção (força organizada) em hipótese de transgressão ou não-prestação de seus comandos.

Dentro da categoria dos atos normativos que criam obrigação de fazer ou não fazer alguma coisa estão, não apenas as leis gerais editadas pelo parlamento, mas, também, os dispositivos das decisões judiciais (sentença, acórdão) e os contratos, individuais ou coletivos. A reforma trabalhista de Temer, ao enfraquecer a organização sindical dos trabalhadores brasileiros, praticamente eliminou a força dos contratos coletivos e, pois, dos juízes e tribunais que foram criados para adjudicação dos conflitos intercalasses (trabalhadores x capitalistas).

A democracia na produção das leis restou capenga, um faz-de-contas com a máscara da hipocrisia.

Bem. O que importa mesmo aqui é revelar o caráter revolucionário da decisão de Flávio Dino, na posição de ministro relator designado para o processo em que foi tomada a decisão que obrigou ao governo da União elaborar um plano de combate às chamas verificadas na Amazônia e no Pantanal, durante o governo de Bolsonaro.  Essa decisão foi ignorada, ou melhor, contrariada por quem preferiu deixar as porteiras abertas.

Note-se a diferença: a primeira decisão, seguindo uma modelagem tradicional e analógica, ordenou ao governo ‘fazer um plano de combate ao fogo’. Planejamento demorou, demorou e o governo acabou. Nada saiu do papel. Neste plano analógico, se o STF apertasse o laço, o governante alegaria que nada podia fazer por não haver lei do congresso autorizando gasto orçamentário e mobilização de recursos humanos e materiais...

Flávio Dino, no alto de seu conhecimento enciclopédico e debaixo de muita experiência pragmática, deu ao conceito de lei a largada dimensão kelseniana: criou obrigação de fazer, autorizou a edição de medida provisória para o fim emergencial, determinou a criação de crédito orçamentário extraordinário, convocou as forças públicas repressivas e preventivas, chamou todos os ministérios e autoridades envolvidas no tema para uma reunião permanente de acompanhamento dos trabalhos ordenados.

Demonstrou-se, na teoria e na prática, a exata abrangência da lei jurisdicional para a resolução de problemas analógicos nestes tempos de regência digital.

Estamos diante do mais exemplar caso de Realização do Direito, cuja missão social é a resolução de problemas que causam danos às pessoas, individual e socialmente consideradas como sujeitos de direitos. Merecedores de respeito quanto à dignidade, à saúde e a felicidade!

Bora que bora, Dino.



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