Independência judicial ou morte da democracia


O recrudescimento conservador que tem atacado a sociedade brasileira nos últimos tempos, colocando em perigo as conquistas democráticas advindas a partir da redemocratização brasileira em 1988, também tem alcançado setores do Judiciário.

Tal fato tem se revelado não apenas no processo de construção de uma jurisprudência que faz prevalecer a repressão sobre o conteúdo emancipatórios dos direitos oriundos da mobilização da sociedade civil ou de uma jurisprudência defensiva a evitar o ainda maior congestionamento da atividade jurisdicional oriundo das desigualdades sociais e econômicas do Brasil.

A contribuição do Judiciário à intensificação do conservadorismo ainda sucede a partir de uma crescente intolerância de tribunais perante juízas e juízes que, na sua atuação funcional ou no exercício de sua cidadania, têm agido em favor da prevalência das liberdades públicas e, consequentemente, do controle mais rigoroso sobre a atividade repressiva do Estado.

É desse quadro que magistradas e magistrados têm sido constrangidos a responder a procedimentos administrativos baseados nas decisões que proferem ou nas ideias que, enquanto cidadãos, expõem.  

Por incidirem sobre membros da magistratura que exteriorizam entendimentos rigorosos em relação à opressão estatal, tais casos proporcionam um caráter ideológico às perseguições. No final das contas, juízas e juízes são perseguidos em razão da exposição de seus valores políticos e morais, ou de suas visões de mundo, inexoravelmente contidos nas respectivas manifestações.

Trata-se de fatos aptos, em tese, a intimidar, primeiramente, as próprias perseguidas. Mas não é só.  Na realidade, todos os membros da magistratura são atingidos, tendo em conta que, ao menos em princípio, também podem intimidar-se pela mera possibilidade de sofrerem perseguições semelhantes.

Ora, a autonomia e a independência do Judiciário configuram requisito da separação de poderes, uma das essências do Estado Democrático de Direito.  Por sua vez, Judiciário independente e autônomo significa não apenas atividade jurisdicional isenta de interferências indevidas por parte dos poderes Executivo e Legislativo; significa igualmente a garantia de magistradas e magistrados isentos de interferências indevidas dos demais poderes e do próprio tribunal a que pertencem.

Destarte, as perseguições ideológicas a membros da magistratura que adotam, a partir de seus valores políticos e morais, postura funcional ou postura cidadã em favor da maior limitação da atividade repressiva estatal caracterizam verdadeiras violações à independência do Judiciário enquanto poder de EstadoInfringe-se gravemente o próprio Estado Democrático de Direito.

Lembra-se, nesse sentido, o quanto a democracia brasileira encontra-se fragilizada no atual momento.  A população carcerária cresce, a repressão à mobilização social intensifica-se e, neste ano de 2016, nem mesmo o pressuposto mínimo democrático – o voto popular – foi respeitado.
Diante desse quadro, espera-se do Judiciário a defesa intransigente dos valores democráticos como resposta ao enfraquecimento das instituições. Todavia, o que se vê é, pelo contrário, o enfraquecimento de tal defesa, via perseguição a juízas e a juízes, apta a abalar a autonomia e independência do poder.

É preciso que o recrudescimento conservador seja estancado.  O ambicioso projeto democrático estampado na Constituição de 1988 não pode sucumbir. A garantia de um Judiciário composto por magistradas e magistrados independentes e autônomos pode configurar um importante instrumento de resistência ao processo, ora vivido, de ameaças de perda de direitos.
Nos calor dos debates que ocupam as discussões públicas, nesse momento político tão difícil, o Judiciário não pode ser esquecido.  Imperioso sempre lembrar que a alternativa à independência e à autonomia dos membros do Judiciário consiste na morte do pouco do que ainda resta de democracia no Brasil.



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