Bolsonarao tira da manga mais uma manobra mentirosa para desestabilizar o processo eleitoral

 A ciência por trás da mentira: por que caímos em golpes? - BBC News Brasil

 

by José Berlange Andrade

A campanha de Bolsonaro alega que rádios deixaram de veicular 154 mil inserções da propaganda de 30 segundos que foram planejadas para a candidatura de reeleição do presidente. 

 

Ao receber a denúncia, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, concedeu 24 horas para apresentação de "provas e/ou documentos sérios".  Na terça-feira,25, o advogado do PL juntou o link da empresa que listou o nome das supostas rádios que infringiram a regra inserções.

 

 Na resposta, o PL afirma que os dados foram checados na web e, por isto, requer ao TSE: a) a suspensão das inserções da campanha de Lula no rádio;  b) o adiamento das eleições para o dia 30 de dezembro.

  Essas pretensões estão juridicamente amparadas nas regras que disciplinam a propaganda eleitoral?  Essas pretensões estão juridicamente amparadas nas regras que disciplinam a propaganda eleitoral? Com base no conceito de estrutura interna da norma jurídica, oportuno fazer breve análise do caso para tentar encontrar pistas de respostas a essa questão.

Em primeiro lugar, o conceito operacional de norma jurídica que é a ferramenta que estrutura o esquema lógico-jurídico da modelagem do processo: ¹entrada das informações, ²processamento dos dados e ³resposta solucionadora do sistema judiciário (TSE e juízes em geral), para a resolução do conflito de interesses.

 

Onde existem relações sociais de cooperação ou de competição, no desenrolar dessas relações, surgem conflitos de interesses que podem ser resolvidos mediante consenso das partes ou por determinação de uma autoridade a quem a sociedade – pela Constituição - confere poder e legitimidade para dar a última palavra.  A resolução consensual põe fim ao conflito de maneira autônoma, isto é, as partes constroem livremente a saída do problema, desde que isto não implique ilícito ou crime. A decisão judicial é baseada no princípio da legalidade. Não pode ser discricionária, o juiz não faz o que quer e nem pode dizer sim ao pedido que não seja amparado por uma norma jurídica universal, isto é, uma norma de tipicidade que seja aplicável a todos os casos semelhantes. A menos que a relação conflituosa decorra de contrato pessoal entre as partes, que é lei particular.

A norma jurídica é um programa estruturado para alcançar uma finalidade: a composição dos conflitos de interesses. Ela é criada para um conflito típico. Para isto, toda norma jurídica contém dois elementos internos: o comando e a sanção.

A função do comando é descrever uma situação fática, isto é, um acontecimento previsível de acontecer no curso de determinadas tramas que tendem a ocorrer normalmente dentro de determinadas relações tipificadas: matar alguém (conceito criminal); divorciar-se (conc. civil), ir à falência (conc. empresarial), etc.

A sanção é a consequência que deve advir da comprovação de uma conduta tipificada num comando normativo.  Ou seja, a imputação de um mal ou de um efeito danoso que está previsto na norma como ameaça, para o caso de não se obedecer ao comando.

A norma jurídica é o conceito fundamental de toda a plataforma jurídica. A norma programa o seguinte: quem causar voluntariamente prejuízo a outro deve indenizar o lesado. Quem livremente causar dano a um valor protegido pela sociedade por meio da lei penal, deve ser condenado a pena de detenção ou de reclusão, etc. A norma jurídica, por meio da sanção, já antecipa e estabelece qual é a resposta sancionatória e como ela deve ser executada para punir o sujeito que cometeu a ofensa legal. Decorre logicamente desta modelagem a função educativa e preventiva da norma jurídica: o ser humano já se conduz segundo a norma, uma vez que ele já sabe de que modo o conflito se instaura e como ele será composto pela autoridade judicial.

Quando o conflito se instaura, a norma assume sua função de composição que será processada pelo judiciário.

O juiz não inventa nada. Tudo o que ele tem a fazer é aplicar a lei construída pelos parlamentares. Por isto, os advogados, conscientes desta limitação do juiz, quando fazem o pedido para ser acatado pela sentença, cuidam primeiro de ver se existe uma norma jurídica que autoriza ao juiz aplicar a medida requerida, ou seja, a resposta que o advogado propõe para solucionar aquele determinado conflito de interesses.

De posse desses esquemas da dogmática jurídica, vamos agora pensar no caso das 154 mil inserções de propaganda política do candidato Bolsonaro que se alega não terem sido veiculadas por algumas rádios.

A primeira tarefa do juiz é procurar ter uma cognição (conhecimento) prévio dos fatos narrados. Não basta dizer ou mostra que um jornal ou um profissional qualquer disse ou comentou sobre um fato que aparenta ser ilícito. O juiz precisa aferir a verossimilhança do que se diz que aconteceu. Não pode ouvir uma narrativa e já sair dando canetada e decidindo tudo que se pede. Aquele que pede decisão para modificar a ordem das coisas que estão acontecendo precisa comprovar suficientemente o fato e a provável dimensão do dano.

No caso em análise, o relator do TSE recebeu a petição do advogado do PL e, constatando que não havia provas, determinou que fossem apresentadas em 24 horas (os prazos na campanha eleitoral são curtíssimos por motivos óbvios).

Cumprido o dever de apresentar provas, não significa que a ação prossiga ou, prosseguindo, seja concedido o pedido liminar (providência a ser tomada antes de ouvir as partes e colher outras provas). No caso, o pedido é para suspender a propaganda de Lula nos rádios e para adiar a eleição por 60 dias.

Se as provas não forem consistentes, o juiz vai extinguir o processo. Independentemente de avaliar se as provas são consistentes ou não, vamos admitir que o juiz do caso receba a ação e prossiga para estabelecer o debate entre as partes, preparando o caso para a decisão final.

No passo seguinte da análise, o operador do sistema vai procurar no ordenamento jurídico uma norma que seja adequada a tipificação dos fatos alegados. Portanto, vai ver se existe um comando e uma sanção específicos para este tipo de conflito.

Pela Resolução 23.610/2019, o TSE dispõe sobre propaganda eleitoral, utilização e geração do horário gratuito e condutas ilícitas em campanha eleitoral: é o que está disposto no Art. 1º: “Esta Resolução dispõe sobre a propaganda eleitoral, as condutas ilícitas praticadas em campanha e o horário eleitoral gratuito.”

O Art. 80 é tipificador:

As emissoras que sejam obrigadas por lei a transmitir a propaganda eleitoral não poderão deixar de fazê-lo sob a alegação de desconhecer as informações relativas à captação do sinal e à veiculação da propaganda eleitoral.”

 A sanção básica é reparadora:

§ 1º As emissoras de rádio e de televisão não poderão deixar de exibir a propaganda eleitoral, salvo se o partido político, a federação ou a coligação deixar de entregar ao grupo de emissoras ou à emissora geradora o respectivo arquivo, situação na qual deverá ser reexibida a propaganda anterior, nas hipóteses previstas nesta Resolução, ou, na sua falta, veiculada propaganda com os conteúdos previstos nos Arts. 93 e 93-A da Lei nº 9.504/1997, a ser disponibilizada pela Justiça Eleitoral conforme orientações transmitidas na reunião de que trata o art. 53 desta Resolução.

Art. 93.  O Tribunal Superior Eleitoral poderá, nos anos eleitorais, requisitar das emissoras de rádio e televisão (...) até dez minutos diários, contínuos ou não, para a divulgação de comunicados, boletins e instruções ao eleitorado.                    

Art. 93-A.  O Tribunal Superior Eleitoral promoverá, em até cinco minutos diários, requisitados às emissoras de rádio e televisão, propaganda institucional, em rádio e televisão, destinada a incentivar a participação feminina, dos jovens e da comunidade negra na política, bem como a esclarecer os cidadãos sobre as regras e o funcionamento do sistema eleitoral brasileiro.

O regulamento avança para detalhar as variações de circunstâncias importantes a serem percebidas nos fatos, de modo a adequar as consequências do descumprimento da obrigação legal de transmitir a propaganda eleitoral.  Os parágrafos seguintes programam detalhes da aplicação das sanções:

§ 2º Não sendo transmitida a propaganda eleitoral, a Justiça Eleitoral, a requerimento dos partidos políticos, das coligações, das federações, das candidatas, dos candidatos ou do Ministério Público, poderá determinar a intimação pessoal da pessoa representante da emissora para que obedeçam, imediatamente, às disposições legais vigentes e transmitam a propaganda eleitoral gratuita, sem prejuízo do ajuizamento da ação cabível para a apuração de responsabilidade ou de eventual abuso, a qual, observados o contraditório e a ampla defesa, será decidida, com a aplicação das devidas sanções.

§ 3º Constatado, na hipótese prevista no § 2º deste artigo, que houve a divulgação da propaganda eleitoral de apenas um ou de alguns partidos políticos, uma ou de algumas federações ou coligações, a Justiça Eleitoral poderá determinar a exibição da propaganda eleitoral dos partidos políticos, das federações ou das coligações preteridos no horário da programação normal da emissora, imediatamente posterior ao reservado para a propaganda eleitoral, arcando a emissora com os custos de tal exibição.

§ 4º Verificada a exibição da propaganda eleitoral com falha técnica relevante atribuída à emissora, que comprometa a sua compreensão, a Justiça Eleitoral determinará as providências necessárias para que o fato não se repita e, se for o caso, determinará nova exibição da propaganda nos termos do § 3º deste artigo.

§ 5º Erros técnicos na geração da propaganda eleitoral não excluirão a responsabilidade das emissoras que não estavam encarregadas da geração por eventual retransmissão que venha a ser determinada pela Justiça Eleitoral.

 Art. 81. A requerimento do Ministério Público, de partido político, coligação, federação, candidata ou candidato, a Justiça Eleitoral poderá determinar a suspensão, por 24 (vinte e quatro) horas, da programação normal de emissora que deixar de cumprir as disposições desta Resolução

§ 1º No período de suspensão a que se refere este artigo, a Justiça Eleitoral veiculará mensagem de orientação à eleitora ou ao eleitor, intercalada, a cada 15 (quinze) minutos (Lei nº 9.504/1997, art. 56, § 1º)

§ 2º Em cada reiteração de conduta, o período de suspensão será duplicado (Lei nº 9.504/1997, art. 56, § 2º)

A regra é clara: todas as medidas previstas para resolver o problema da não divulgação da propaganda de algum candidato, partido ou coligação, são respostas que sancionam a emissora de rádio.  Não seria justo que outro candidato, partido ou coligação sofresse um mal imposto pelo Estado, por causa do comportamento de uma pequena emissora de rádio que funciona na periferia do interior do País.

Da mesma forma, o adiamento da eleição causaria um dano excessivamente desproporcional à omissão de uma propaganda, cuja causa pode ter tido origem numa omissão do próprio candidato, do partido ou da coligação.

Se houvesse na norma jurídica um tal programa de resposta para esse tipo de problema, a lei não seria sábia. Daria ensejo, num ninho de cobras, a que os desesperados inventassem simulassem a existência deum problema recorrendo à ajuda das próprias rádios aliadas...

Além do mais, a Justiça Eleitoral apenas cuida de obrigar as rádios a divulgar a propaganda gratuita. Quem cuida de produzir e distribuir esse material é o partido ou a coligação. A fiscalização para controle do cumprimento da obrigação pela emissora de rádio é feita por cada candidato, partido ou coligação interessado.  Dentro desse esquema de funcionamento, tão logo o interessado perceba que sua propaganda não foi divulgada corretamente deve denunciar à Polícia, ao Ministério Público ou ao Juiz Eleitoral. Não pode ver e deixar acumular.  A campanha de Bolsonaro alega que uma empresa percebeu, pela propaganda das rádios que estão na Internet, que deixaram de divulgar quase 1.500 propagandas e só procurou a Justiça Eleitoral na véspera da eleição – quando as soluções previstas na lei praticamente teriam sua eficácia reduzida...

Resumindo. Como qualquer pessoa de bom-senso pode constatar, não há previsão de sanção para suspender a propaganda do candidato adversário – se a emissora de rádio deixar de cumprir a resolução que regulamenta a propaganda eleitoral gratuita.  Também não há sanção para castigar os eleitores que estão preparados (e tensos) para votar no dia 30 de outubro...

Qual será, então, o propósito do advogado e da campanha de Bolsonaro? Criar mais duas bandeiras, pretensões ilegítimas e ilegais, para sua clientela ‘culpar’ o TSE da derrota do mito?  Ou para incitar mais ódio e violência, a exemplo do que Trump promoveu no capitólio em Washington?

Provavelmente, as duas coisas (e outras maldades mais)

Tem mais fragilidades nesta armação. Além da falta de norma jurídica que autorize as medidas requeridas pelo PL, há outros elementos de tipificação na norma de comando que precisam ser avaliados quando a sua compreensão e extensão.

Por exemplo: no caput do art. 80, quando a norma usa este termo, “as emissoras que sejam obrigadas por lei a transmitir a propaganda eleitoral não poderão deixar de fazê-lo”, está deixando implícito duas circunstâncias importantes: ¹ há emissoras que não são obrigadas a transmitir a propaganda eleitoral;  ² a obrigação é das emissoras que emitem diretamente os sinais de transmissão.
Ora, segundo a narrativa do advogado do PL que instruiu o pedido com um relatório da empresa Audiency, a auditoria não foi feita pela audição direta das emissoras de rádio...

 

“A auditoria foi feita por uma empresa de Santa Catarina contratada pela campanha, a Audiency.

A Audiency usa um software para monitorar a programação das rádios. Ela faz esse monitoramento através da retransmissão dessas emissoras na internet, que nem sempre tem o mesmo conteúdo do que foi veiculado em AM ou FM.

Os principais clientes da Audiency são duplas sertanejas que querem acompanhar a execução de suas músicas em emissoras pelo país e empresas que fazem anúncios de rádio e buscam monitorar a execução destes anúncios.”

(https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2022/noticia/2022/10/26/tse-di/)

Finalmente, o § 1º do Art. 80 deixa claro que a obrigação da emissora de rádio de exibir a propaganda eleitoral só existe se o partido político mandar entregar à emissora geradora o respectivo arquivo com a propaganda.

Vejamos o que dizem algumas rádios relacionadas no imbróglio:

1 - Uma rádio citada pelo servidor bolsonarista demitido do TSE, a Rádio JM FM, de Uberaba, divulgou uma nota na tarde desta quarta. A rádio afirmou que, há 15 dias, deixou de receber o material da campanha de Bolsonaro. Por isso, perguntou para o TSE como deveria proceder para repor os espaços. A rádio afirma que não recebeu resposta.

    "No início do segundo turno das eleições presidenciais, os mapas e materiais de uma das campanhas deixaram de ser enviados. Tal fato foi detectado no dia 10 de outubro, oportunidade em que a emissora questionou a Justiça Eleitoral, por telefone, solicitando orientação sobre as medidas a serem adotadas. Da mesma forma, a emissora acionou o Partido Liberal, expondo a questão e pedindo que os mapas e materiais voltassem a ser encaminhados por e-mail, a exemplo do que ocorreu no 1º turno. Essa providência foi, então, adotada pelo Partido Liberal", relatou a rádio.

 

2 - Outra rádio, a Viva Voz FM, também afirmou que não recebeu material da campanha de Bolsonaro. Veja a nota abaixo:

"Em virtude da denúncia da campanha do candidato à reeleição, presidente Bolsonaro, sobre uma petição protocolada no TSE, em que cita que a Rádio Viva Voz FM deixou de veicular inserções de propaganda eleitoral da sua campanha, vem-se pelo presente esclarecer que:

Na volta à campanha eleitoral do 2º turno, recebemos material de campanha de todas as coligações no dia 06/10, com exceção da coligação do candidato Bolsonaro, que só recebemos no dia 10/10, como podem verificar nos prints do e-mail da nossa Emissora.

A Viva Voz FM preza pela boa-fé e enaltece a liberdade de expressão e a democracia."

(https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2022/noticia/2022/10/26/tse-diz-que-servidor-foi-exonerado-por-suspeita-de-assedio-moral-e-que-deu-depoimento-a-pf-com-afirmacoes-falsas-e-mentirosas.ghtml)

 Nestas duas amostras já fica esclarecido que o próprio partido do candidato à reeleição contribui, com sua omissão, para a configuração do problema. 

Tudo isto revela a clara intenção da campanha de Bolsonaro em promover o descrédito nas instituições eleitorais, com o objetivo de incitar seus seguidores radicais – fascistas e milicianos – à desordem, ao ataque à democracia e ao ódio a juízes eleitorais, a jornalistas e influenciadores em geral.

Até o dia 30 é necessário ficar atento. O risco existe e é grande. Uma busca e apreensão, pelo Exército, pela Guarda Nacional e pela Polícia Federal, nos endereços de pessoas ligadas a esses grupos, certamente revelaria que o arsenal escondido na casa de Roberto Jeferson terá sido apenas uma amostra da monstruosidade que a política de armamento deste governo construiu em benefício de seu projeto de permanência no governo.

Só com determinação, união e coragem o Brasil voltará ao trilho da verdade, da justiça e do desenvolvimento pela via da democracia.Trabalho árduo para a governança futura. Ninguém da aliança poderá largar a mão. A luta continua depois da eleição.

  

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