O poder do povo está no Parlamento e nos Conselhos sociais e administrativos

 



 Não há por que alimentar ilusões. O povo reivindicando nas ruas não passa de grupo de pressão. Quando alguns bloqueiam as vias públicas configura-se a prática de crime e abre-se oportunidade para prisão em flagrante seguida da apreensão do veículo. A autoridade e qualquer do povo pode realizar a prisão em flagrante, imobilizando o criminoso e movendo seu caminhão da via pública para o acostamento.

Os particulares não estão legitimados a criar ou  impor regras de comportamento a cidadão qualquer e muito menos a autoridade repulicana. Seus inconformismos com decisões de agentes políticos que contrariam interesses seus, implicam dever de suportar o transcurso do calendário de sucessão nos respectivos cargos, conforme as regras constitucionais em vigor.

O País está na normalidade de um Estado Democrático de Direito dentro do qual todos devem igualmente se submeter à vontade da lei. 

Cunhado por Kant, a ideia de relação heterônoma expressa a sujeição do indivíduo à vontade de terceiros (contrato ou sentença) ou à vontade coletiva geral por força do primado soberano da lei: ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’ (art. 5°, II, da CF88). Esta regra da Constituição é uma garantia para todas as pessoas e entes, em todas as relações intersubjetivas que venham debaixo da Soberania.

Essa hetero relação se opõe ao conceito de autonomia – no qual a pessoa atua com arbítrio, isto é, escolhe o que quer e realiza sua vontade diretamente autorizada pelo princípio da liberdade: ‘à cidadania tudo está permitido fazer, exceto a conduta que estiver proibida pela lei’.

A regra da liberdade contrapõe-se ao princípio da legalidade que a Constituição estabelece como limite às decisões do agente público, civil ou militar: ‘ao funcionário público tudo está proibido de escolher e fazer, exceto aquilo que for previamente autorizado por lei’.

Tal princípio limitador visa, exatamente, dar segurança aos particulares garantindo aos indivíduos e aos entes privados o exercício da liberdade: previne os arroubos de quem queira submeter ao próprio arbítrio os poderes que a sociedade atribui ao Estado.

Assim. No Estado Democrático de Direito todas as relações econômicas, políticas e socioculturais – como a arte, a religião e o sindicalismo, por exemplo – ocorrem na plataforma do Ordenamento Jurídico que estrutura as possibilidades do fazer e do não fazer das pessoas e das instituições sociais por meio de regras jurídicas.

O primado soberano da lei tem, assim, a função de impedir o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder, em benefício da segurança de todos. O capricho e o arbítrio são impulsos previsíveis e recorrentes há história: pessoas empoderadas pelo voto e pela caneta da autoridade que age em nome do Estado são facilmente tomadas de paixão, principalmente quando constatam que não podem cumprir com as promessas populistas que fizeram como candidatos para agradar eleitores crédulos porque ingênuos de esperanças.

A lei instituída pelo monopólio do Estado é produto de um processo construtivo aperfeiçoado por longínqua experiência histórica. O sentido do aperfeiçoamento aponta para superação dos erros que ocorrem por influxo da paixão, superando-os pela racionalidade persuasiva do debate - que deve ser travado em espaço público e transparente, pela pluralidade de partidos, ideologias, opiniões e interesses – e pela inteligência que persegue o equilíbrio na construção de consensos. Tudo isto elaborado e garantido por regras de processo legislativo constitucionalmente legitimado.

As transgressões às normas, os conflitos intersubjetivos e as dúvidas quanto a sua correta aplicação da lei são fatos e circunstâncias que a Constituição atribui ao conhecimento e julgamento dos Tribunais e juízes.

Ao entorno dos problemas que decorrem da criação, interpretação e execução das leis é que a gestão dos interesses da sociedade flui, com facilidades e dificuldades, ou trava.   Se o executivo vê a lei como obstáculo à realização da própria vontade, só lhe resta uma alternativa: dialogar com a instituição que autoriza previamente por lei as suas ações (aprovação por lei no Parlamento) ou exigir da instituição que adjudica conflitos que o autorize judicialmente a executar o que julga estar autorizado pela lei.

Bolsonaro está em campanha eleitoral aberta, encenando coragem e determinação que a prática demonstrou serem escassas; por detrás do ruído, astúcia de sobra para recuperar parte dos arrependidos que depositou fé no messianismo renovador que foi vendido na feira das ilusões  e que ainda está prisioneira de sonhos infantis.  Presidente que não assume responsabilidades, deslocando vergonhosamente para o colo de governadores, é candidato populista de velhas promessas demagógicas. Mais uma vez, não diz como vai fazer para afastar os obstáculos reais: as leis, o parlamento, os tribunais e demais instituições jurídico-administrativas que atuam na base estrutural do Estado brasileiro.

A Constituição não prevê a hipótese de convocação das Forças Armadas para romper, mediante ameaça ou violência, obstáculos políticos ou legais às pretensões de um presidente que não sabe lidar com oposição, críticas ou frustrações.

 Como as leis são expressão da vontade geral monopolizada pelo Congresso e como a interpretação das leis é mister técnico-científico que compete à última palavra do STF, não há como esconder a enorme tolice desse pessoal que quer impor vontade esdrúxula movido por equivocada crença numa expressão alargada pela paixão: “o poder é do povo e pelo povo pode ser exercido direta e arbitrariamente”.

Na verdade, o que esse dispositivo declara é que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição".

Ora. Obcecado pela ideia de desmontar o comunismo do PT, numa das primeiras medidas de governo, Bolsonaro usou uma Bic e desmontou órgãos e Conselhos que FHC, Lula e Dilma construíram ao longo de 20 anos. Entidades coletivas que – nos limites da Constituição de 1988 – possibilitavam ao povo exercer poder administrativo e consultivo junto ao executivo, influenciando diretamente na formulação de políticas públicas e direitos sociais!
Democracia direta, com a vontade do povo participando do processo decisório legislativo, só nos casos restritos enumerados na Carta Magda: plesbicito e referendo.

De volta à campanha eleitoral, Bolsonaro engana novamente ao povo incutindo nas pessoas pre-letradas em assuntos do direito e do Estado a ideia de que podem exercer falso poder que a Constituição supostamente lhes garantiria. Porém, o que a Carta reconhece e garante aos inconformados que vão para o #7setembro21 é o direito de fazer reunião e expressar opinião em praça pública. A menos que tenham cacife para bancar a subversão da ordem constitucional com força insurrecional, esses grupos de direita vão às ruas meramente como grupo de pressão. Fazer demonstração de força. É este o grau de poder que a administração Bolsonaro delimitou para o povo exercer participação política direta.

 

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