O abuso de autoridade praticado por Alexandre de Moraes e as 4 linhas da Constituição

  

 


‘Patriotas’ inconformados promovem ocupação urbana e bloqueio rodoviário no fundo do País. Alegam fraude na derrota do ‘mito’ e abuso de autoridade nas intervenções do TSE que visam impedir as ações desses grupos que, numa nota oficial recente, foram consideradas ‘legítimas e ordeiras’.

De fato, parte dos atos são promovidos democraticamente defronte aos quartéis, sem causar prejuízo ou danos aos transeuntes. Portanto, formalmente, legítimos enquanto exercício da crítica e contestação. 

Porém, há um elemento presente nestes atos com característica universal, ou seja, um grito emitido por todos os grupos em todos os lugares de concentração da massa: “a eleição foi fraudada! Queremos “intervenção federal” para “depor os membros do TSE e do STF e anular as eleições”

Então, para o outro lado que suportaria os efeitos da 'anulação', está claro que o ato é ilegítimo e ilegal: a ‘intervenção’ é um pretexto para impedir a posse do presidente eleito. E os perdedores contam com uma ‘intervenção militar’ para camuflar um o golpe de Estado.Crime contra a Democracia!

Mirando a violência que radicais cometem nas estradas –  atirando, furando pneus, queimando caminhões e patrimônio de utilidade pública –  não há como escamotear. Os que cometem abusos incorrem em crime. No Estado de Direito, a regra é clara: devem ser processados, julgados e sentenciados. Se condenados, sancionados com os rigores da lei.

Por outro lado, os que apenas criticam em discordância com as decisões de Alexandre de Moraes, estão amparados  pela garantia constitucional que lhes assegura o exercício das liberdades de opinião, expressão e manifestação  pública. Se não ultrapassam o limite dessa liberdade, merecem respeito e tolerância.

Uma forma de expressar respeito, na divergência democrática, é o debate. Não a discussão inútil e improdutiva que muitas vezes é direcionada às pessoas, não às questões que estão em jogo.

No polo ativo do jogo pode-se reduzir a complexidade do sujeito coletivo, distinguindo dirigentes (agentes políticos, econômicos - e respectivo apoio técnico) e dirigidos (grupos de empregados e de subordinados unificados pelo zap como uma massa popular de classe média urbana e rural).  No polo passivo do jogo, diretamente, não aparece o agrupamento que venceu a eleição. Este, entregue as tarefas de transição da governança, não sofre ofensiva direta. Toda carga de ataques está concentrada nos juízes das cortes superiores: TSE e STF.

Faz sentido, esse esforço para remover os obstáculos erguidos no caminho do golpe. A extrema-direita brasileira tem como objetivo manter-se no controle do Estado. Para tanto, está reproduzindo as táticas trumpistas do cerco ao Capitólio. Capitólio aqui é o TSE, presidido por Alexandre de Moraes que editou uma Resolução disciplinando o controle do uso das redes sociais, com base na qual anda prendendo uns e retirando perfis de outros na Internet.

O bolsonarismo reage às decisões da Justiça invocando uma velha ideia de Liberdade: a que servia aos interesses da burguesia, face aos poderes absolutos que ajudara a concentrar nas mãos do Rei. Hoje, há muitas ideias de liberdade. A liberdade aqui reivindicada é baseada nas ideias de Hayek:   o estado no qual o homem não está sujeito a coerção pela vontade de outrem, nem os mercados sujeitos à coerção do Estado”.  Só que Hayek não falava de liberdade absoluta, o seu conceito de liberdade estava claramente delimitado: ‘vontade arbitrária” nas relações privadas e “governo despótico” nas relações públicas. 

Superado o velho conceito de livre-arbítrio, não existe mais a ideia de liberdade absoluta. Toda liberdade é limitada por algum fator natural ou social (ambiental ou endógeno, corporal, mental ou espiritual, no plano pessoal; contratual, sentencial ou legal no plano social). Não estamos sob regime despótico, mas dentro do sistema Estado Constitucional de Direito.

Alexandre de Moraes tem sido atacado por causa da limitação cognitiva de uns (maioria de dirigidos) ou má fé de alguns outros (minoria dirigente). Na verdade, a ofensiva à pessoa que dirige o TSE é mais uma expressão do espírito fascista que move a conduta desses dirigentes: o objetivo é a destruição das instituições democráticas para, em seu lugar, instalar uma ditadura racista, homofóbica, xenófoba e supremacista. Os dirigidos são mobilizados por palavras-de-ordem – frases feitas – mas, quase sempre, sem consciência dos resultados últimos pretendidos com as suas ações coletivas.

A arma que os dirigentes políticos do movimento têm em mãos é a de sempre: a mentira, o “fake news”, usado massivamente numa manipulação política sem precedentes. Está escancarado. A defesa da liberdade de expressão pela web é um escudo para alavancar, ocultamente, violenta ação política: um golpe de Estado para permanência no controle do cofre público estatal.

O Estado de Direito tem oposto obstáculo sistemático à consecução desse objetivo.  Por isto, todo esforço estratégico está concentrado na demonização dos ministros, responsabilizados pela derrota do mito. A pretensão última golpista não aponta para a demolição das instituições jurídicas, em si. O que se quer é montar uma Corte de juízes capachos: sem independência e sem imparcialidade! Querem um Judiciário comprometido com ideais neonazifascistas e subordinados ao Führer tupiniquim!

O embate do momento está com a interface exposta: quebra de braço entre verdade e mentira, na esfera subjetiva, e guerra aberta do fascismo contra o Estado Democrático de Direito, no plano operacional.

A guerra funciona assim. Tecnólogos jurídicos, a serviço da força fascista-fundamentalista-autoritária – operando para estimular a crença numa ‘solução dentro das 4 linhas da Constituição’ –, passam para as massas desinformadas a ideia de que Moraes está agindo arbitrariamente, fora dos limites legais e constitucionais. Argumentam: não existe lei amparando o Inquérito das Fake News;  nem para o bloqueio dos perfis e dos sites que fazem a mentirosa propaganda fascista.   Então, na anomia, a enganação das massas está entregue à liberdade de expressão!  Ou, seja, é livre o tratar as pessoas como gado, empurrando-as para lá e para cá ao som berrante dos fake news!

Essa narrativa, que afirma a inexistência de lei votada pelo Congresso e a consequente omissão do direito que caracterizaria as decisões de Alexandre de Moraes como ilegais, é equivocada. Teve a finalidade política de estimular o levante financiado por uma parcela do agronegócio, mas não tem serventia jurídica e nem parlamentar, como já está desenhado para a tática do futuro próximo.

Neste ponto da linha do tempo desta guerra híbrida, a verdade venceu a primeira batalha. Mas é pouco. Necessário se preparar para vencer a guerra que continua, alimentada de estímulos artificiais e falsos.

A verdade factual é um valor imperativo para a legitimação do canal de comunicação que veicula informação para as massas. A informação é requisito elementar para o lastro das decisões econômicas, políticas e morais: é ela que dá conteúdo às escolhas que constituem as relações sociais de cooperação e de competição. Esse processo está sujeito a riscos graves. A mentira leva ao erro de escolha, abrindo rota para o abismo: falência, conflito e desagregação social. Que País sobreviveria a esse conjunto de danos?

Direito é tecnologia desenvolvida ao longo da história como instrumento para prevenir e reparar danos causados pelas escolhas humanas. A norma jurídica é a ferramenta usada no controle de conduta danosa: seja na letra do contrato (lei especial de uma relação concreta), da voz da Lei geral (Legislada) e/ou no dispositivo da Sentença casual (Lei para o caso conflituoso).

A vida social passa por transformações profundas e inéditas, ao influxo de novas tecnologias de computação e de telecomunicação. O fake news tem causado danos de monta, não apenas na esfera do embate partidário-eleitoral, mas, em todas as relações sociais que estão sofrendo migração das plataformas analógicas para as digitais, sejam de consumo e financeiras, sejam de serviços e até de comportamento religioso.

Surgem espaços para novas formas de danos e modelagens de conflito social. Como o ordenamento jurídico responde a essas novas demandas, nas formas de controle formal que é exercido pela lei formal: contrato, sentença e lei geral?

A crítica a Alexandre de Moraes está no círculo das leis geral e particular. A lei geral conecta com o passado, regulando experiência histórica dos conflitos acumulados: o legislador faz  lei para resolver uma classe de problemas estabilizados pela prática costumeira. Por outro lado, a sentença lida com problemas atuais, conflitos casuais dentro de um contexto histórico que está em desenvolvimento: o Juiz é chamado para reparar um dano ocorrido (sentença) ou  prevenir ameaças de danos futuros (decisões cautelares).

O Sistema é fechado: não existe possibilidade de omissão normativa: se faltar a lei geral para disciplinar conceitualmente um tipo de conduta (defasagem da lei), diante do dano ou do conflito corrente, o Juiz está legitimado a construir uma lei para caso; pode usar recursos lógicos da analogia, aplicar princípios gerais do direito, a doutrina e a jurisprudência, todos este material é considerado fonte legítima do direito. Ou seja, funciona como Lei limitadora da discricionariedade e da arbitrariedade do juiz.

Por outro lado, focando o contexto: eleição é uma espécie de guerra. Por isto, o ordenamento jurídico concentra no juiz eleitoral (Xandão) –  simultaneamente, durante esse período de conflitos abusivos e imprevisíveis –  os poderes legislativo, executivo e jurisdicional. A autoridade, empoderada pela tensão da situação, emite Resoluções, Portarias, Ordens, Decisões (leis), comanda diretamente as forças policiais e armadas (execução) e julga os recursos e pedidos de providência (jurisdição). Por isto que se diz que na tormenta da eleição o juiz eleitoral é a expressão máxima da soberania nacional, na sua abrangência interna.

Só a consideração dos dados que dão complexidade aos fatos jurídicos, torna possível uma análise minimamente séria sobre a conduta do TSE e de seus membros neste momento do calendário político brasileiro.

Do ponto de vista da Ciência do Direito,  Alexandre de Moraes está atuando exemplarmente, cumprindo seu dever de preencher lacunas do ordenamento jurídico. As decisões do ministro estão adequadas a integração do sistema normativo constitucional brasileiro. E não há como fazer diferente, sem cometer prevaricação, tal a gravidade do quadro de graves riscos criado por essa onda de niilismo danoso.

O Estado de Direito é o instrumento necessário e suficiente para deter esta onda neofascista que sufoca a democracia e todas as relações que possibilitam o desenvolvimento brasileiro.  Nunca o princípio da legalidade foi tão requisitado como agora: para assegurar a paz e a seguridade das relações sociais, mediante a aplicação intransigente e rigorosa da lei penal. Chegou a hora de o direito cumprir seu papel educador e conformador conferindo certeza e efetividade à coerção. Se o Congresso se omitir na produção das leis adequadas, que os fatos sejam adequados às leis jurisprudenciais!

 

 

http://bit.ly/3Ey7Qds


 

Comentários

  1. Sensacional!!!!!
    Texto super elucidativo!!!!
    Que Deus continue protegendo o Exmo. Sr. Dr. Alexandre de Moraes.

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