Ajustes feitos no julgamento do recurso para conveniência da imagem da Lava Jato




LEONARDO STOPPA - no Brasil 274:

...

“Por ‘questões de fato’ entenda-se tudo que é discutido no processo em termos de prova, e sobre o que realmente aconteceu, por exemplo: houve propina ou não houve propina?  Tem ligação com a Petrobrás ou não tem ligação com a Petrobrás?
-  Isso significa que o TRF 4 poderia ter reformado a sentença do juízo monocrático neste particular para corrigir a nulidade em comento, para isso ele precisaria ter declarado o contrário do que fora dito na sentença, reafirmando o contexto fático de que havia sim ligação entre o caso do suposto Tríplex do Lula e os desvios da Petrobrás.
-  Fazendo isso aquele colegiado teria reformado a decisão original, fazendo prevalecer como reconhecido no processo que existia sim ligação entre o caso do suposto Tríplex do Lula e os desvios da Petrobrás, corrigindo assim a falta de substrato fático que respaldasse a conexão de ações e a prevenção do juízo de Curitiba.
-  Mas ele não fez isso e a nulidade se apascentou no processo. ” [LER AQUI]
....

Até aqui, beleza, 100% de acordo com a análise do competente LEONARDO STOPPA.  Neste ponto, porém, divirjo.

Não que o processo não deva ser anulado. Apenas discordo que o recurso não tenha modificado o conteúdo do pressuposto fático que apontaria para o comportamento de lula para o favorecimento da OAS empreiteira - apontada como a dona do dinheiro, pessoa jurídica que não se confunde com a OAS imobiliária - a verdadeira dona do tríplex. O argumento do acórdão é uma tentativa de retorno ao trilho construído inicialmente pela denúncia do MPF. Mas, retorno apenas parcial, pois em vez de se reportar aos três contratos preferiu descrever como teria se dado a interferência de Lula na nomeação dos diretores da Petrobras que teriam beneficiado a OAS em todos (?) os contratos.

Tento esclarecer melhor.

Entendo que o TRF-4 se pronunciou sobre o tema, mas para corrigir a compreensão que a cognição do juiz singular havia dado sobre essa questão fática, tão decisiva para a fixação da competência. Assim. O juiz singular absteve-se de usar a circunstância fática narrada pelo MPF na denúncia. Melhor esclarecendo: a decisão do juiz indica claramente – nos embargos declaratórios – não ter sido encontrado no processo fato e/ou prova que evidenciasse o pagamento de vantagem da OAS-empreiteira para o Lula, por meio dos três contratos indicados na denúncia, como a circunstância fática que teria materializado a conexão real entre o recebimento do tríplex por Lula e a corrupção dos diretores da Petrobras. Por essa linha de raciocínio, não estando evidenciado o fato como se deu essa operação, a sentença optou por afirmar que a conduta do ex-presidente que favoreceu à OAS-empreiteira se consumou por meio de “ato de ofício indeterminado”. Bem se sabe que essa expressão não determina circunstâncias de modo, tempo e lugar que são necessárias para tipificação da ação criminosa, então a hipótese da conexão da conduta descrita na denúncia (três contratos com a Petrobrás) com a prática de corrupção na Petrobras restou inaproveitável para a afirmação do crime (mérito da causa). É possível que, a partir desta constatação, se tenha direcionado a argumentação para o tal “ato indeterminado”. Medida técnica que resolveu o problema da relação causal do mérito da acusação, mas olvidou a questão da conexão que era essencial para legitimar o deslocamento da competência para a competência especial da vara de Curitiba.

Diante da constatação da falta de suporte para a competência especial, o TRF4 modificou o fundamento da sentença para estabelecer circunstância fática para tipificar a conduta de Lula, praticada enquanto esteve na posição de presidente da República: indicou ou orientou a nomeação de diretores para cargos da Petrobras, consciente de que essas pessoas estariam praticando atos de corrupção para beneficiar financeiramente o PT e os partidos da base aliada.  Como exemplo desta conduta, foi tomado um fato que teria ocorrido durante o primeiro mandato do sentenciado. Para atender pleito de aliados no Congresso, teria pressionado a diretoria da Petrobras a cometer a nomeação de um diretor indicado pelo PP. Esta atitude do presidente, porém, segundo a própria narrativa do relator, foi a resposta que Lula deu para desmontar uma resistência no Congresso Nacional, pois o PP estaria cometendo ou ameaçando de executar uma obstrução na pauta de votações, fato que prejudicaria o fluxo das ações do Governo que dependiam de autorização legislativa naquela conjuntura.

Então. Ficou claro nessa exposição que a conduta do presidente, no evento noticiado pelo voto, estava em conexão com uma precisa adversidade experimentada dentro do Governo e não na esfera dos Mercados. Era a presidência, movida pelo interesse de dar fruição às políticas públicas em favor do bem comum, versus um grupo parlamentar movido pelo interesse de colocar um aliado num cargo público.  Este o sentido da conduta do presidente da República, cuja missão primeira é garantir o funcionamento do Governo.

Estender essa atitude da autoridade para generalizar sua particularidade, ao ponto de abranger todas as hipóteses de nomeação de diretores para cargos da Petrobras, por si, já é uma extravagância que só o açodamento de fundo emocional pode explicar.  

Pois foi isto, precisamente, que o voto do relator fez ao afirmar que o ex-presidente Lula recebeu o Tríplex que já lhe estava destinado como vantagem (bem como solicitou respectivas reformas), em razão das nomeações que fez para a Diretoria da Petrobras, estando ciente dos crimes que ali esses diretores praticavam em conluio com os empreiteiros de obras públicas.

Como está claro, esta versão do acórdão visa a salvação da sentença do juiz da Lava Jato. Essa tese tem a finalidade de afirmar a tipificação do crime de Corrupção passiva sem a arriscada quebra da conexão da Compra do tríplex com os delitos da Petrobrás.

Com isto, duas contingências perigosas se apresentam na situação pós dia 24 de janeiro:  primeiro, porque reafirmou o sentido do embate político entre o Juiz Moro e o candidato Lula nos processos da Lava Jato. Os pronunciamentos dos três juízes do tribunal reforçam a ideia de que, quem estava sendo julgado ali, era o juiz Sérgio Moro e não o sentenciado Lula.  Nesta relação pessoal, o corporativismo falou mais alto que a imparcialidade silenciosa, como é recomendada pela ética, moral e jurídica.

O segundo risco está na esfera institucional do embate vertical: é que nesse embate pessoal, aos olhos da elite jurídica local e internacional, estava em jogo uma disputa entre duas esferas da mesma pirâmide organizacional numa luta pela afirmação de prestígio e de respeito, ou seja, a clara disputa midiática pela posse da balança e da espada que simbolizam a autoridade da Justiça: de um lado a Lava Jato com seus métodos de exceção justificados por um discurso de resultados, de eficácia, típico da valoração mercadológica;  de outro,  a esfera não-lava jato do plano horizontal e do estamento vertical da Instituição corporificada no Poder Judiciário Nacional. No pronunciamento do TRF-4 estava em jogo a necessidade de afirmar-se o prestígio e a autoridade da Justiça brasileira, como alternativa à conveniência de salvar a instrumentalidade da sentença do juiz e de todo o trabalho da Polícia Federal e do Ministério Público Federal na conjuntura do ano eleitoral que decidirá sobre a continuidade ou não do projeto neoliberal.

Neste ponto dos riscos assumidos, outra contingência de desdobramentos imprevisíveis assombra no horizonte: a ONU está mais municiada de fatos e de argumentos para fazer o seu pronunciamento sobre o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com autoridade sobre as nações do mundo civilizado.

Isto tudo é problema. E quanto mais se aprofundar no aumento da complexidade do caso, mais riscos se produzirão no futuro e de forma incontrolável. 

O problema, ao meu ver, tem origem metodológica. O objetivo do processo é a Realização do Direito e não a Aplicação da Lei para punir inimigo ou adversário; ou, ao contrário, a omissão na aplicação da lei para poupar amigo ou aliado.

Quando há interferências de outros sistemas de poder  sobre a atividade do sistema judiciário este fato pode causar enormes prejuízos às duas funções críticas da jurisdição, que são os dois momentos fundamentais de qualquer processo de conhecimento, cível ou criminal, da esfera pública ou privada, conforme nos informa o campo de investigação científica da Sinépica: na vida real, “o processo de Realização do Direito não se exaure no clássico caminho entre a determinação da fonte e a aplicação.  Quando procura a fonte, o juiz já tem em mente quais os fatos relevantes e qual a sua ‘qualificação’.  Na entrada do sistema cognitivo, “o caso alarga-se ao pré-entendimento da matéria, verdadeira condição de funcionamento de todo o processo nos passos seguintes. E, na saída, estende-se à ponderação das consequências, garantia de adequação da resposta encontrada” para o problema apresentado ao conhecimento do intérprete-aplicador. A resposta adequada será aquela que soluciona o problema jurídico sem criar novos problemas não jurídicos no ambiente social.

[Salvar o prestígio do Judiciário ou manter as aparências midiáticas da Lava Jato -   VER AQUI]

  

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