O fato e a prova versus o direito e o simbolismo



Qualquer governo ou força política que desafia a austeridade neoliberal entra imediatamente em choque com as instituições globais que protegem o 1% mais rico da população mundial. Simbolicamente, essas instituições reagem com violência para reafirmar a mensagem central do neoliberalismo de que não há alternativa, de que estão fechadas as rotas de fuga. Isto, por si, já é um sintoma do fim do modelo que pretende submeter o mundo. (Parodiando Paul Mason)

O direito é um instrumento de controle social que funciona estruturado numa proposição que limita a liberdade humana: dado que o homem é livre para fazer escolhas, deve responder pelos danos que a conduta livre der causa, real ou potencial (ameaça). No julgamento, a sanção (condenação penal) tem relação com a responsabilidade e, esta, com a liberdade de escolha dos sujeitos que participam do ato [trama de fato] julgado.

Aqui, no mundo ocidental, essa estrutura lógico-subjetiva que orienta aos operadores na aplicação do direito é resultado do encontro de três grandes fontes de sabedoria: a religião judaico-cristã (Ezequiel 18:2-4 e 18:10-18), a filosofia grega e o direito romano.

Para definir a responsabilidade do sujeito numa trama de fatos submetida ao conhecimento do intérprete-aplicador do direito, necessário observar a cinemática dos acontecimentos para definir os limites da sua conduta, usando o critério da tipificação. A tarefa de tipificar a ação na análise criminal implica observar distintamente os elementos subjetivos e objetivos do tipo descrito na lei penal.

No crime de corrupção passiva do CP 317, por exemplo, as provas dos fatos devem evidenciar o momento e o modo pelo qual a pessoa cometeu atitude de “solicitar” ou “receber” “vantagem indevida”, ou de “aceitar promessa” de tal vantagem.
O que a norma diz é: vc, agente público, não é livre para solicitar ou receber vantagem indevida que lhe ofereçam. Não tem liberdade de escolha nem para aceitar uma promessa dessa, em razão do exercício do cargo ou da função pública.

O que é legal nessa estrutura normativa, é que ela vale mais para o juiz  que para o jurisdicionado, enquanto trata o juiz como intérprete e aplicador da lei. O juiz, na  realização do Direito, não é livre para fazer o que quiser, nem para dizer o que quiser no julgamento de uma causa. Para a segurança das pessoas e dos bens, contra o arbítrio da autoridade do Estado, a conduta do juiz no processo está limitada pela Lei e pela Constituição.


No caso julgado ontem pelo TRF4, a denúncia do MPF afirma que “Lula recebeu o Tríplex da OAS” e, como “vantagem indevida”, aponta a diferença de preço entre o valor que foi pago pelo apartamento simples da Bancoop e o preço maior do novo apartamento tríplex que recebeu da OAS. Vantagem recebida em razão de que, no exercício da presidência da República, teria “indicado diretores corruptos” que recebiam propinas para beneficiar a empreiteira OAS e, na sequência, repassar parte dos recursos para as campanhas do PT, tendo o presidente conhecimento dessa corrupção que existia na Petrobras.  

A sentença do Moro, ao descrever qual teria sido a conduta compensatória de Lula no exercício da presidência, apontou “prática de atos de ofício indeterminados”. A turma recursal voltou aos termos da denúncia para apontar ‘participação importante’ no esquema de corrupção que se instalou na Petrobras (fato que vinha ocorrendo desde os anos 70, diga-se aqui, de passagem).

Participação importante. Com base em que prova? 

A prova que importa é aquela que tenha força de evidenciar a conduta criminosa. No tipo da corrupção passiva, conforme a descrição da denúncia, cabe indicar a prova que gera o convencimento de que Lula “recebeu o tríplex da OAS”.  Normalmente, essa transmissão é comprovada documentalmente por certidão do registro do imóvel. Também, a prova da circunstância em que Lula aparece recebendo o dinheiro que a OAS teria transferido de um fundo de caixa 2 para ele pagar a diferença de preço que estava faltando na contabilidade da OAS imobiliária.

Mas, no caso, é evidente à simples percepção que Lula está sendo tratado como inimigo. Inimigo perigoso, porque muito inteligente e astucioso.

Então, se está autorizado a prescindir de documentos e outras provas materiais, porque a astúcia do criminoso pode ter usado um laranja para livrar-se da aplicação da lei, quando esta é igual para todos.

Mas como pode ter usado um laranja, se o apartamento está registrado no nome da empresa que o construiu? Então, a hipótese está confirmada: o laranja deve ser a própria OAS que teria entregado o bem sem as formalidades necessárias.

Por isto, valoriza-se os elementos indiciários. Basicamente, são duas fontes que sinalizam a existência da transmissão de uma propriedade ‘de fato’. A palavra de Léo Pinheiro e uma notícia do jornal o Globo.

Ora, se se dessem ao trabalho de investigar a fonte dessa coerência teriam que partir da grande probabilidade de que a informação interessava a uma única pessoa, naquele momento: Léo Pinheiro e seu novo empreendimento imobiliário, o Edifício Solaris, e para afirmar liderança junto a diretoria da empresa que ele havia metido na enroscada que o sindicalista João Vaccari vendeu à OAS. Além de funcionar como marketing para alavancar as vendas que iniciaram naquela época. A notícia do jornal não esclarece sobre a importante circunstância da transmissão da propriedade, nem como fato e nem como direito.  Também não informa a fonte da informação, de modo que a autoridade da afirmação seria apenas da repórter, cujo nome foi publicado pelo jornal, mas não foi ouvida pela Lava Jato. Ou seja, fonte mantida na precariedade. Portanto, com valor jurídico de prova próximo de zero.

Resta, então, a palavra de Léo Pinheiro (depoimento inteiro está em vídeos na Internet, público e notório).

No interrogatório do réu Léo Pinheiro está demonstrado que o caso do Tríplex forma uma trama complexa, pela diversidade de atores e de mútuas relações, em múltiplos círculos situacionais não necessariamente interligados no plano da realidade fática, mas tornados conexos ou imbricados no discurso da testemunha descompromissada.  Desta imbricação resulta a necessidade de separação e definição de cada um dos espaços decisórios que são mencionados nas descrições dos fatos, como forma de organizar a compreensão na tarefa de analisar as provas.

A principal relação de atores da trama se dá entre Léo Pinheiro e João Vacari, dentro do círculo que reuniu os empreendimentos Bancoop e OAS incorporadora.  Pelo relato de Léo Pinheiro, com o mesmo João Vacari, teriam sido estabelecidas relações de interesses no interior da esfera decisória que ligava este como presidente da Bancoop e, aquele, representante da OAS imobiliária.

No terceiro espaço de relacionamentos a versão de Léo Pinheiro reúne este e agentes da OAS empreendimentos em relação com a entidade designada “Família do presidente”, composta por D. Marisa Letícia e o filho Fábio da Silva.

No círculo do Instituto Lula aparecem Léo Pinheiro, Lula da Silva e Paulo Okamoto.

Destes atores, apenas de João Vaccari não foi colhido o depoimento testemunhal no processo do Tríplex. E essa omissão mexe com o núcleo da questão porque o principal protagonista no caso Tríplex não é Lula, nem dona Marisa. É João Vaccari que aparece atraindo Léo Pinheiro para a compra do empreendimento da Bancoop, em relação comercial com Léo Pinheiro que aparece atraindo Lula e dona Marisa para a compra do novo Tríplex que ele mesmo, Léo, mandou construir e reformar.

De fato.

No depoimento de Léo Pinheiro fica claro que todas as conversas decisivas, ou seja, todos os debates, acertos e encaminhamentos que caracterizam um processo de tomada de decisão (escolhas operantes) consistiram em atos realizados diretamente entre João Vaccari (falando em nome da Bancoop) e Léo Pinheiro (falando em nome da OAS imobiliária).

E a participação do Lula?

Desde de 2009, quando se deu a transferência do empreendimento Mar Cantábrico convertido em Condomínio Solaris, até 2013 o nome do presidente só aparece como referência distante das conversas de Vaccari e Léo e, na maioria das vezes, só indiretamente, porque o apartamento ‘simplex’ 141 do Mar Cantábrico foi adquirido em nome de D. Marisa Letícia, referida nas conversas como a Família do Lula.

Somente em 2013 Léo Pinheiro conversou, pela primeira vez, com o presidente do Instituto Lula. Foi levar a notícia de que O Solaris estava concluído e que havia um apartamento reservado para a Família de Lula, que ainda não havia assinado o termo de opção para o apartamento tríplex 164-A do Solaris e nem desistido oficialmente da aquisição do tipo n. 141 do Mar Cantábrico para receber de volta a quantia que Dona Marisa já havia pago. Nesta ocasião que Lula teria atendido ao pedido de Léo Pinheiro para conversar com a Família e fazer uma visita ao prédio, para conhecer o Tríplex, a nova joia da coroa do Solaris.

Se durante seis anos (2009-2014), Léo Pinheiro fez todos os encaminhamentos do novo empreendimento dialogando com João Vaccari; e se deu tanta importância ao depoimento de Léo Pinheiro; e se a versão de Léo Pinheiro é, reconhecidamente, na sentença e no acórdão, tão complexa e difícil de destrinchar, pergunta-se: por que razão o juízo ou tribunal não convocou Joao Vaccari para esclarecer os fatos nos quais teve participação tão importante, tão efetiva e tão decisiva?

Confira você mesmo e tire as suas conclusões. Preste a atenção, adotando como critério o seguinte. 

Para descobrir quem mandou construir o Tríplex do Solaris (que não existia no projeto anterior da Bancoop), vá procurando as manifestações de ESCOLHAS:   QUEM DECIDE?  ONDE, QUANDO, COMO, COM QUEM, PORQUE E PRA QUE DECIDE?

O resultado definirá os círculos das responsabilidades.

Para descobrir quem recebeu dinheiro e de quem? SIGA O DINHEIRO: Parece que a grana saiu da OAS empreiteira para chegar à conta caixa 2 do PT, mas, o portador Léo Pinheiro disse a João Vaccari que o dinheiro foi levado para OAS imobiliária, para cobrir todos os prejuízos que a Bancoop e Vaccari fizeram o Léo Pinheiro causar à OAS empreendimentos.

O resultado definirá o beneficiário da vantagem.  Mas, aqui, há uma pegunta que não pode calar: o dano que  Léo teria experimentado no negócio com Vaccari, não se resolveria com indenização na esfera cível? 

(Boa leitura das provas. Texto sem revisão)

DEPOMENTO DE LÉO PINHEIRO – recortes interessantes.

Juiz Moro - Consta do processo que OAS assumiu os empreendimentos imobiliários do Bancoop, o sr participou do procedimento, da negociação?
Léo Pinheiro - Participei (fecha os olhos, indica esforço de memória ou temor de cometer erro de script). No ano de 2009 fui procurado pelo sr João Vaccari que era ou tinha sido presidente do Bancoop e ele colocou que a situação do Bancoop era de quase insolvência e eles não estavam quase conseguindo dar andamento em empreendimentos, alguns estavam paralisados depois de começado e outros não tinham sido iniciados.  
Ele mostrou 6 ou 7 empreendimentos que o Bancoop tinha intenção de pôr em negociação com OAS.  Eu disse a ele que algumas premissas tinham que ser colocadas inicialmente, o que nos interessava naquele momento: a nossa área imobiliária atuava na Bahia, estava começando alguns empreendimentos em Brasília,  e São Paulo era um local em que se tinha o maior interesse. E facilitaria, também para nós, o fato de alguns empreendimentos já estarem com a comercialização praticamente feita, então isso ajudava muito.  Naquele momento, também, os terrenos em SP estavam muito supervalorizados em função do boom do mercado imobiliário.
Então ficou combinado, ele me mostrou a situação física e geográfica de cada empreendimento. Quando mostrou os 2 prédios do Guarujá, eu fiz uma ressalva a ele que não nos interessava atuar  [ali] - uma política empresarial nossa na área  imobiliária, inclusive adotada por mim - porque a empresa só atuaria em grandes capitais. Nossos alvos eram: Salvador, Rio, São Paulo, Brasília e Porto Alegre, por causa de um empreendimento grande que estava fazendo lá de um projeto imobiliário. Fora disso, não tínhamos interesse
22:20 Vaccari disse, olha nós temos aqui uma coisa diferente. Existe um empreendimento que pertence à família do presidente Lula.  E, diante do seu relacionamento com o presidente Lula, o relacionamento da empresa, eu digo que estamos lhe convidando para participar disso por conta de todo esse relacionamento e do grau de confiança que nos depositamos na sua empresa e na sua pessoa. 
22:48 diante disso eu disse: olha, se tratando de uma coisa desta monta eu vou... de qualquer forma...  eu teria que mandar fazer um estudo de viabilidade de cada empreendimento...  Eu disse a ele, olha, não vejo problema; eu vou passar isso para nossa área imobiliária, que é uma empresa independente, eles farão um estudo, eu volto a você e a gente vê se é viável, como é viável e com quem podemos negociar.  Essa conversa foi em 2009.

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