Esta eleição de 2018
representa um divisor na história da democracia brasileira. Nunca aconteceu
nada igual anteriormente, não na dimensão de risco que assume agora. Na
verdade, a disputa eleitoral, a partir dos anos 30, sempre opôs claramente os
interesses da Casa Grande contra os da Senzala. Mas, essa luta era marcada pela
simplicidade dos movimentos postos em choque nas relações e manobras que se
davam no espaço restrito das elites político-econômico. Hoje, essas relações e manobras praticamente
estão fora do controle das mesmas elites, devido a uma complexidade de fatores –
principalmente comunicacionais – que determinam a ineficácia das instituições
que tinham a função de manter o embate dentro dos limites constitucionais e
legais do jogo do Estado Democrático de Direito.
Por outro ângulo de visão,
deu-se uma horizontalização da relação dirigentes e dirigidos em todos os três
campos de normatividade: estado, mercado e sociedade civil organizada, enfraquecendo
a ideia de hierarquização das relações sociais, principalmente na esfera dos
comportamentos políticos orientados pelo pensamento conservador. Na esfera das
escolhas progressistas, no campo da esquerda, isto representou uma harmonização
e um fortalecimento da democracia participativa, tendo o PT capitalizado esses ganhos
em termos de fortalecimento da gestão dos interesses da diversidade identitária que
demanda direitos e privilégios junto aos núcleos decisórios da governança. Consequentemente,
consolidando a força partidária e o modelo da gestão esquerdista. Um dos fatores pelo
qual a sigla tornou-se imbatível na luta contra as outras forças partidárias de
centro e de direita.
Do temor a essa hegemonia nasceu o impulso exagerado que levou a
mobilização de agentes do estado, mercado e sociedade civil organizada que se
coordenaram na tarefa de formar um pensamento alternativo à aliança política do trabalhismo, socialdemocracia e socialismo
democrático, cuja permanência alongada na governança estaria comprometendo a funcionalidade do
dispositivo de alternância do poder, que seria um dos pilares a fundamentar as eleições periódicas na democracia representativa, cumprindo suposta função de equilíbrio
na gestão da economia capitalista.
Desse esforço, graças ao
trabalho realizado por alguns ‘doutrinadores’ nos blogs e redes sociais da Internet, com métodos simples e de alto grau de
manipulação político-ideológica, deu-se a conformação da ‘direita conservadora’
brasileira atual, cuja construção ainda está em movimento, em busca de uma referência
ou liderança política confiável. Como este processo se dá ao influxo do calendário
eleitoral e os diversos ‘ungidos’ foram escolhidos pelo potencial que aparentavam possuir para derrotar a esquerda (corporificada no PT), à medida em que a coalizão conservadora ia sendo
derrotada e seus ídolos desmanchados no ar, com a decepção de Aécio, chegou-se a
Jair Bolsonaro – deputado, capitão, autoproclamado mito, bem ao estilo Hitler ou Mussolini.
É que o histórico pessoal do
deputado revela que por trás da fantasia do mito há, verdadeiramente, um homem concreto, cheio de defeitos e preconceitos, com claro perfil de fascista. E isto importa e muito para a questão aqui agitada.
Pois bem, só depois da experiência Aécio seguida da
expectativa Bolsonaro, justifica-se a necessidade de responder a uma pergunta
como esta, posta num comentário: “caso a vitória do Bolsonaro se
concretizar, você aceitará normalmente?”
Aceitar é um verbo que aponta, no mínimo, para dois tipos
posicionamentos. Concordar e conformar-se ou seus reversos.
Aos fatos que dão suporte à pergunta. Publicado o resultado da apuração das urnas de 2014
e com a proclamação da vitória de Dilma, Aécio primeiro discordou;
depois, aderiu ao inconformismo seus eleitores radicais e levou sua frustração às últimas consequências lançando dúvidas sobre a lisura das urnas. O resultado mais impactantes dessas duas
atitudes não foi de ordem eleitoral, mas, sim, o estado de absoluta anormalidade e insegurança das
relações políticas, econômicas e sociais a que se
chegou no Brasil, não apenas no plano institucional interno,
mas, também, na constelação internacional das Nações.
Em
2018, diante do crescimento vertiginoso do percentual de votos que
as pesquisas atribuíram ao candidato Haddad, Bolsonaro, impulsionado pelo
medo, respondeu logo com ameaça:
“as urnas não são confiáveis. Não aceitarei
outro resultado, senão a vitória!”.
Esse pronunciamento é arbitrário e absurdo. A
eleição é um concurso, uma competição cujo resultado é colocado nas
mãos do povo, soberanamente. A ninguém é garantido o privilégio de
escolher ou impor o resultado pretendido. O que se pode exigir
das instituições democráticas é que seus agentes cumpram o dever
de garantir eleições limpas, transparentes, confiáveis e igualitárias.
O regime de propaganda eleitoral gratuita tem por fundamento
fático e jurídico a materialização desses valores - que estão sendo quebrados,
com graves danos à liberdade de escolha do eleitor, pelos fake
news que circulam nas redes sociais, especialmente pelos túneis
secretos dos grupos do WhatsApp submundo onde cresce a árvore frondosa da desconfiança
no sistema eleitoral eletrônico.
O inconformismo de Aécio comprometeu a governabilidade e aguçou uma
guerra entre socialdemocracia e neoliberalismo, cujas principais
vítimas foram as instituições políticas, a economia e as
finanças do País – recaindo a conta nas costas do trabalhador
assalariado de classe média e dos pobres.
Já o inconformismo antecipado de Bolsonaro é vetor que
escalona para outro nível, este sim, muito grave e
perigoso: a guerra civil que confrontará democratas e fascistas,
Civilização e barbárie. Este o destino previsível do caminho
por onde passará a descrença nas instituições que promovem as eleições
brasileiras.
O sentido da pergunta, para esta análise, esgota-se aí.
Não tem sentido fazer esta pergunta a um democrata no curso de uma eleição. Essa questão deve ser levantada antes da definição das regras do jogo. A
democracia é uma das grandes conquistas da Civilização Ocidental. Nós,
os democratas, vamos para esta disputa confiantes nas regras e nas
instituições que administram as eleições.
Nós os democratas acreditamos que a eleição
periódica não visa apenas alternância de poder, visa,
primariamente, revigorar os sonhos, os projetos e as esperanças que
possibilitam ao povo de uma Nação energizar-se para prosseguir na caminhada rumo
ao progresso e ao desenvolvimento do País.
Eleição deve funcionar como instrumento de adesão a
um programa de gestão do interesse público e do bem comum. Adesão para a
paz, portanto, a ser alcançada por impulso do amor. Se
fosse para a guerra, até seria admissível a ideia de
disseminar o ódio entre as pessoas. Como se sabe, guerra é conflito no
último grau de intolerância. A raiz de todo conflito é a frustração,
sentimento que se expressa por meio do inconformismo.
Ser democrata é estar de posse da maturidade que
possibilita lidar com as derrotas, quando o jogo é de ganha-perde.
Por isto, a posição de qualquer democrata de diante do
risco de perder a eleição em 2018 pode ser contemplada por esta
manifestação de Alessandre de Argolo, em 2014, no blog do Nassif:
“Eleição é a manifestação mais primordial da democracia.
Quem não sabe perder, quem não sabe respeitar a manifestação do povo numa
eleição, não está preparado para viver sob a égide do regime
democrático. Esse tipo de comportamento é inaceitável e
conota o verdadeiro atraso político.
No regime democrático, perder e aceitar a derrota na
eleição faz parte da construção e da consolidação da sociedade, do Estado e do
Governo. Não se pode encarar o adversário político como inimigo
pessoal. Isso sim é o verdadeiro atraso em termos de exercício da
cidadania. Essa postura de animosidade, de destilação do ódio, do
rancor e do ressentimento é extremamente antidemocrática, incivilizada,
selvagem, primitiva. Saber perder na eleição, portanto, faz parte do
aprendizado democrático.”
Concluindo. Entendo que as discordâncias e os
inconformismos do democrata devem ser sublimados para a relação de expectativa
numa situação de oposição. Ou seja, vigilância, resistência e
luta permanente para prevenir riscos e erros que as escolhas do governo
eleito possam representar no sentido de confrontar ou negar os valores da
família humana, da dignidade das pessoas, da sua liberdade e da sua igualdade,
na medida em que possam ser ameaçados com a quebra do Estado Constitucional e
Democrático de Direito.
No cumprimento dessa missão, o democrata não poderá hesitar
e nem transigir.
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