A reforma da previdência, os interesses e os tempos cruentos




A Reforma da Previdência sofre ataque da direita desde quando estava sendo gestada no útero da Constituinte de 88.  Depois que o Sistema foi implementado em favor do povo trabalhador e dos humildes, sempre esteve ameaçado por projetos neoliberal-direitista de gestão do  Estado.  O Golpe de 2016 foi o instrumento de oportunismo para implementação da agenda desconstitutiva da Nova República; nesse sentido, um movimento à ré disposto a passar por cima de tudo que se movimentar à sua dianteira ou à esquerda.

Já em 1987, quando se publicou o substitutivo do Projeto da Constituição que foi promulgada em 1988, a direita se articulou e se organizou em torno das críticas formuladas por Plínio Corrêa de Oliveira no livro “Projeto de Constituição angustia o País”.

Nele, o dirigente da TFP denunciava o “grande o receio de que o Brasil seja arrastado a um regime socioeconômico comunistizante”, o qual levaria o “nosso País a apresentar um aspecto impressionantemente parecido ao da Rússia soviética”, caso não fosse detida a proposta esquerdista que visava implantar, no Brasil, “uma Reforma Agrária socialista e confiscatória” que  desencadeará o incêndio da Reforma Urbana, representado pelas invasões de terrenos urbanos. Seguindo-se  inevitavelmente uma Reforma da Empresa industrial ou comercial.” Para alarmar o medo quanto a instalação de um regime socialista no País, Corrêa de Oliveira denunciou mais desgraça para o futuro dos médicos brasileiros: “Ademais, uma gigantesca Reforma da Saúde porá nas mãos do Estado totalitário brasileiro toda a medicina no Brasil (o SUS)”.

O receio prenunciava um futuro catastrófico. O pensador da extrema direita estimava que a implementação do regime socialista por via dessas reformas já estava assegurada, porque a eleição da Assembleia Nacional Constituinte teria sido viciada por astúcia da esquerda que “levou no bico o conservadorismo da sociedade brasileira”.   Não podendo ser barrada a proposta, também não poderia a Constituição, no futuro, ser declarada nula e sem efeito.  Por isto, desde já, o livro de Plínio Correa de Oliveira propôs a destruição da Constituição socialista mediante o uso da força. Portanto, programando, para um momento oportuno – de enfraquecimento da Nova República – um golpe de Estado.  Foram estes os argumentos usados em 1987, à fl. 214 do livro:

“implantadas a Reforma Agrária, a Reforma Urbana e a Reforma da Saúde, será destruída em nosso País a liberdade e arrasada a prosperidade nacional, com prejuízos causados ao matrimônio legítimo e à família, à multiplicação da espécie, ao livre exercício da profissão médica, à organização do ensino, etc.

Quando estas injustiças em série sobrevierem, ao longo do verdadeiro ciclone nacional em que importará a implantação em cadência das três Reformas, estará criado o impasse, em todos os lugares do território nacional, em que brasileiros labutam e produzem.

A saída para tudo isso, os Poderes Públicos e a Nação se porão a procurá-la, percorrendo todo um mar de hipóteses e de perplexidades, no qual mais provavelmente... não encontrarão saída alguma.

Juridicamente, será impossível declarar sem efeito as decisões da Constituinte, sem que se descambe para um golpe de Estado cruento ou incruento. Mas que a demagogia de certas esquerdas tudo fará para tornar cruento.”

Talvez, a expectativa de aguçar uma reação que configure esta previsão final do pensador que muitos conservadores consideram “profeta brasileiro”, ajude a compreender o tratamento desumano que a direita radical está cometendo em relação ao ex-presidente Lula. Provocar uma reação de revolta coletiva que possa ser manipulada por infiltrados, talvez.  Só que a esquerda está apostando na democracia representativa e na última palavra, da última instância,  do Poder Judiciário para ver consagrados os valores da Verdade e da Justiça.  Tolice esperar “de certas esquerdas” a reação sanguinária, cruel e sanguinolenta que Plínio inseriu em sua “profecia”.

Importante destacar no texto da TFP o seguinte. Desde antes da promulgação da Constituição de 88, no momento em que o projeto Cabral sai das rotatórias da impressora do Congresso, imediatamente, a direita brasileira se opõe ao “Sistema de Seguridade Social” instituídos pela nova Carta. Defendeu-se, veementemente, a destruição da Reforma da Saúde como forma de exterminar o Estado totalitário que ameaça o livre exercício da profissão médica e a livre organização do ensino no Brasil.

Dois temas que estão postos na agenda do governo, depois que o golpe proposto pela TFP, em 1987, vingou em 2016 com Temer e revigorou-se em 2019 com a eleição fraudulenta de Jair Bolsonaro.

Pois bem. O Sistema da Seguridade Social brasileiro (CF 194) foi uma das maiores conquistas na Constituição Federal de 1988, em favor dos trabalhadores e dos despossuídos em geral.  Esse sistema é formado pela Saúde, Assistência Social e a Previdência Social, sob responsabilidade do Estado.

A reforma neoliberal de Bolsonaro tem por objetivo fazer valer as propostas que estão no livro de Plínio Correa de Oliveira (1987), como resposta à angústia que se apoderou da alma conservadora da elite brasileira, temerosa das reformas “comunistizante” promovida pela astúcia da esquerda brasileira com a constituinte de 1988 (finalizou o regime autoritário empresarial-militar e inaugurou a Nova República Democrática).

A Reforma da Previdência tem por objetivo não a desconstituição do “estado socialista” que atemoriza a extrema-direita, mas atender a interesses do poderoso Sistema Financeiro Internacional que assumiu o “Modo Diretor” da Globalização, na Nova Ordem Mundial que o capitalismo pretende construir sobre os escombros do Muro de Berlim (1989) – movimento histórico que trabalha com a previsão de uma crise geral civilizatória (moral e jurídica), citada no livro, mas com fonte omitida na “professia” de Plínio, embora já bastante debatido nas academias em 1987.  Esta reforma interessa, também, aos setores empresariais brasileiros que nunca aceitaram as regras constitucionais que os obriga a contribuir com o Sistema constitucional da Seguridade Social.

Esses dois interesses convergem e explicam muitas mudanças já experimentada historicamente no período pós constituição democrática.  A pressão inicial por reformas na previdência foi exercida inicialmente, de forma leve e pontual, pelo grande empresariado brasileiro que utilizava-se do método que julgavam mais eficaz para se livrar da contribuição previdenciária, o lobby, calcado no financiamento de candidaturas nas eleições nacionais e locais.

Foi assim que empresários conquistaram reformas nos governos de FHC, Lula e Dilma. Porém, como a socialdemocracia tem por fundamento o compromisso mínimo com a redução das desigualdades sociais, esses governos sempre resistiram a uma reforma mais profunda – no sentido de prejudicar os trabalhadores e aliviar os empresários.  FHC foi um pouco mais condescendente com os interesses da elite econômica.

 Lula opôs resistências e barreiras, principalmente tomando medidas político-administrativas para desmontar o discurso dos liberais: ampliou o superávit dos recursos da previdência social (permitindo que outros recursos tributários destinados pela Constituição ao Sistema da Seguridade Social fossem redirecionados para minimizar o
déficit público).  Assim, Lula protegeu de forma inteligente e desconcertante os interesses dos trabalhadores, tornando falaciosos os argumentos da elite brasileira.  Foi por esse caminho que o Sistema constitucional de coparticipação chegou à ponte quebrada do Temer.  

No governo Temer, as circunstâncias históricas já estavam mais complexas, por conta da crise financeira de 2008.  Agora, a pretensão do empresariado brasileiro havia sido colocada em segundo plano.  A pressão é exercida pelo Sistema Financeiro Internacional, que está impondo aos países periféricos o pagamento dos prejuízos causados pela quebra dos bancos norte-americanos. Em 2008 os gigantes de Wall Street tiraram dinheiro do bolso para ‘cobrir’ a conta causada pelo exercício da Liberdade dos Bancos (livres do controle regulamentar do Estado), mas exigiram fosse feita uma vaca internacional para garantir o reembolso daquele desembolso. Dos países incluídos na vaquinha, a maioria dos empresários recusam-se a contribuir para esse reembolso. Alegam que já pagam muito salário e muito imposto. O peso seria demasiado grande para suas costas.   Exigem que o governo jogue a conta nas costas dos trabalhadores e dos pensionistas.  Salários, direitos, férias, tudo em que se puder fazer uma raspada deve ser despelado.

Então, a reforma da previdência do Temer não passou.  A elite fez de Bolsonaro presidente. Ajudou eleger uma bancada majoritária composta de gente burra ou inexperiente, fácil de ser aglutinada numa base governamental tocada a vara, se necessário (Mourão, o vice que manda, já declarou que vai tratorar essa base).  

Situação complexa. O Sistema Financeiro quer para si toda a grana da Previdência Social. Empresariado local quer sair da contribuição social. Olavistas (de carvalho), tal cavaleiros templários de Plínio, querem destruir o sistema comunista (SUS), com apoio de alguns militares anticomunistas.

Trabalhadores chamam a greve geral.  Se forem às ruas, todo cuidado é pouco no sentido de evitar manobras que os influenciados por Plínio Corrêa de Oliveira possam fazer. Eles podem fazer de tudo para tornar cruento estes tempos.

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