A escalada de erros da Lava Jato - uma reflexão de Gerson Sicca.


Reflexão Publicada por Gerson Sicca, em 5 de maio de 2016, sob impulso dos fatos que constituíram o sequestro de Lula para ser posto, à força, sob interrogatório do juiz da Lava-Jato em Curitiba. Este texto construiu uma análise que tem a virtude de apontar e identificar, com clareza e distinção, o erro de definição - de extensão e de compreensão - do conceito que a Lava-Jato tomou, como ponto de partida, para construir suas teses sobre o fenômeno de corrupção institucional com o qual o sistema jurisdicional está a se defrontar num imenso cipoal. O Lula apontou com sabedoria a origem do erro: tendo por orientação o material jornalístico que a Mídia brasileira usava para influir no comportamento eleitoral de 2014, sem se dar conta de que aquele lixo tinha pretensão de manipular o senso comum, os doutores caíram numa cilada.
O direito processual penal lida com a busca da verdade material (Aletheia). Razão pela qual seria imprestável ao trato da objetividade lógico-jurídica, com a qual a família científica do Direito Ocidental está instrumentalizada, tecnologicamente, que os operadores do Direito Penal tivessem iniciado suas investigações impulsionados “pela dúvida”, não pela ilusão de uma “certeza ideológica”... A lógica não perdoa: se o corpo técnico escolhe mal o ponto de partida, no final da caminhada, certamente, estará condenado a confrontar-se com uma muralha de merda. E como é difícil sair desse tipo de atoleiro...


Fiquemos com a análise quase profética de Cicca:

"Não gosto de opinar publicamente sobre apurações de casos de suposta corrupção. Prefiro guardar minhas reflexões e utilizá-las para melhorar o meu trabalho. Mas a gravidade da situação exige que pessoas interessadas pelo Direito se posicionem.

Hoje a lava-jato acabou como processo e sedimentou-se como instrumento de batalha política.

A operação começou com um insight fantástico: combater a corrupção a partir dos corruptores, e nesse início conseguiu excelentes resultados.

Depois veio o primeiro grande erro: apostaram na tese de que o esquema com as empreiteiras foi montado para sustentar o governo. O erro está na negação da realidade: o esquema supostamente sustenta a política, não um governo apenas.

Com a hipótese errada, o que era para construir um retrato da política nacional transformou-se em cavalo de batalha da oposição. A operação entrou no centro do embate irracional que se instalou.

Junto com o primeiro erro veio o segundo: a exposição midiática massacrante, os possíveis vazamentos e a consolidação da operação como a única pauta do debate político. A economia parou e não se discute no parlamento nada para além do chamado combate à corrupção.

O terceiro erro foi o uso massivo da prisão. Prende-se por qualquer motivo.

Por fim, há uma aparente tentativa de fazer valer a hipótese sobre a realidade. Criou-se a tese de que supostas despesas de Lula pagas por empreiteiras estariam ligadas ao esquema de Petrobras porque as empresas pagaram propina para agentes públicos. Obviamente, um investigador atento tomará isso apenas como uma ilação até que surja alguma prova. Mas a tese já virou fato com a exploração do assunto.

O enterro da operação veio com a condução coercitiva de Lula. Claramente desproporcional, e que apenas serviu para radicalizar o país. A condução não mostrou que a lei vale para todos, ao contrário, sinalizou que para alguns a aplicação da lei sempre é draconiana.

Não trabalho com a hipótese de que a equipe da lava-jato atue de forma partidarizada. Não disponho de nenhum elemento para supor isso.

Quero crer que os agentes públicos estão acometidos pelo fanatismo do controle. Veem na sua atividade fiscalizadora a salvação de todos os males.

O problema é que a complexidade das circunstâncias exige uma percepção aguda da realidade. Talvez a operação tenha tomado uma proporção cujas consequências nefastas não estão mais ao alcance da capacidade de avaliação dos agentes que a conduzem. Tiveram que pilotar um boeing quando estavam preparados para levantar um monomotor.

A operação já serviu para consolidar visões que negam direitos em nome do "interesse público". Quem torce por essa tese deve rezar para nunca ser processado.
Mas a operação pode nos levar ainda mais longe.

A intolerância, o messianismo, a radicalização e a descrença na capacidade do povo brasileiro para encontrar soluções para os seus problemas pode destruir a nossa frágil democracia.

O momento é preocupante e não se vê saída racional no curto prazo. Em qual país viverá o meu filho? Não sei, mas o que se vê hoje não indica um futuro melhor.

Antes de finalizar, já aviso que ignorarei comentários movidos pela fúria do momento ou simples partidarização
A situação é séria demais para ficar no cansativo gre-nal político. Ações de combate à corrupção não são autos de fé da inquisição."

[ postagem original: http://bit.ly/2r1yhEL ]

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