Intervenção armada­ é crime inafiançável e imprescritível

 


Preço a pagar por atravessar o Rubicão pode ser alto

Uma resenha do texto de Ricardo Lewandowski - Ministro do Supremo Tribunal Federal – publicado hoje na Folha de S.Paulo.


Fonte do Direito Ocidental, Roma antiga nunca hesitou no emprego da lei que proibia qualquer general de atravessar, acompanhado de suas tropas, o rio Rubicão. Este córrego representava o símbolo da linha divisória entre o Poder Civil – a ser exercido em tempo de paz com emprego dos recursos técnicos da persuasão e da manipulação – e o Poder Militar – que, mediante o uso da força, em todas as Civilizações, só tem legitimidade de atuar em estado de Guerra contra inimigos externos.

Após derrotar uma demorada rebelião de tribos gaulesas, ao retornar a Roma, o general Júlio César transpôs as águas do Rubicão à frente dos estressados soldados que comandava, pronunciando a célebre frase: “A sorte está lançada”. Pouco tempo depois, foi assassinado a punhaladas por adversários políticos que tinham à frente seu filho adotivo Marco Júnio Bruto.

O ministro STF Ricardo Lewandowski conta este episódio como exemplo bem didático: distintas civilizações sempre adotaram regras preventivas para impedir que os responsáveis pelo exercício da força, praticando violência contra civis desarmados, se atrevam a usurpar do poder simbólico legitimado pela lei.

Para essas situações de usurpação sempre existem severas consequências
às quais se sujeitam os transgressores, quase sempre a pretexto de cumprirem ordens superiores. Quando o primeiro dever do servidor civil ou militar é filtrar a legalidade da ordem. Porque ‘ordem constitucional’ é bem diferente de ‘capricho pessoal’, quando claramente movido à arbitrariedade de quem não aceita os limites postos pela Lei, pilar central do Estado Democrático de Direito!

No Brasil, superada vigência do regime autoritário de 64, preventivamente, a Carta de 88 estabeleceu que constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis e militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático”.

Revogado o entulho da Lei de Segurança Nacional pelo Congresso Nacional, estabeleceu-se vários crimes autônomos no texto do Código Penal, com destaque para a conduta de subverter as instituições vigentes, “impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. Outro comportamento delituoso corresponde ao golpe de Estado, caracterizado como “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. Ambos os ilícitos são sancionados com penas severas, agravadas se houver ameaça ou emprego da violência.

Recentemente o Brasil aderiu o Tratado de Roma que criou o Tribunal Penal Internacional e tipificou como crime contra a humanidade, submetido à sua jurisdição, o “ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil”, mediante a prática de homicídio, tortura, prisão, desaparecimento forçado ou “outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental”.

O Ministro do STF, mirando o 7 de setembro, foi direto nas pretensões do IntervençãoCF142: “E não constitui excludente de culpabilidade a eventual convocação das Forças Armadas e tropas auxiliares, com fundamento no artigo 142 da Lei Maior, para a ‘defesa da lei e da ordem’, quando realizada fora das hipóteses legais, cuja configuração, aliás, pode ser apreciada em momento posterior pelos órgãos competentes”.

A propósito, o Código Penal Militar estabelece, no artigo 38, parágrafo 2º, que “se a ordem do superior tem por objeto a prática de ato manifestamente criminoso, ou há excesso nos atos ou na forma da execução”, é punível não apenas aquele, mas, “também o inferior”.

Esse mesmo entendimento foi incorporado ao direito internacional, a partir dos julgamentos realizados pelo tribunal de Nuremberg, instituído em 1945, para julgar criminosos de guerra.

Ricardo Lewandowski conclui, enfático na advertência: pode ser alto o preço a pagar por aqueles que se dispõem a transpassar o Rubicão!

O intérprete supremo da Constituição e das Leis, nas democracias constitucionalistas do Estado de Direito da família Ocidental, é o conjunto das Cortes Civis Supremas que se fincam numa margem do Rubicão oposta àquela outra donde devem acampar as Forças Armadas constituídas para a Guerra contra Inimigos Externos.


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