A corrupção sistêmica mudou de plataforma - sai a farsa, entra o vale-tudo.


Corrupção é um fenômeno humano correlacionado ao uso de técnicas de esperteza para alcançar resultados vantajosos para além dos limites da ética. Ou seja, técnica de competição ou de cooperação social que frauda os impedimentos que a moral ou o direito estabelecem para invalidar o alcance de fins proveitosos.  Esses impedimentos normativos coexistem desde a formação dos primeiros grupos sociais. Portanto, fenômeno universal de caráter necessário. Está registrado em todos os códigos jurídicos, tradições e livros morais da antiguidade, a exemplo deste registro bíblico em Isaías 1:4: “Ah, nação pecadora, povo carregado de iniquidade! Raça de malfeitores, filhos dados à corrupção! Abandonaram o Senhor; desprezaram o Santo de Israel e o rejeitaram.”

No Brasil, a ocorrência de corrupção é mais recente.  Desembarcou das caravelas colonizadoras cheias de espertos malfeitores.  E foi assim, desde então, que esse bichinho roedor de riqueza foi se espalhando pelo Continente – sempre crescendo por baixo dos panos, por cima da ingenuidade e bem no nariz da cegueira dos patrícios e patrícias que orientam suas escolhas com base na fofoca e no Fake News dos espertalhões enganadores. Tornou-se uma prática difusa, mas desorganizada e ametódica. Nos mercados, roubava-se nos pesos e medidas das balanças e das métricas. Nos governos, roubava-se nas sobras das obras públicas e no superfaturamento das notas fiscais. Com o ferro, o tijolo e a areia que o corrupto levava dos canteiros de obras, construíam-se casas para a moradia, aluguel ou venda. Tudo era visível e transparente.  Daí que o enorme o volume das delações e fofocas gerou grande revolta e descontentamento.

A tentativa de golpe que matou Getúlio Vargas (pq criou o salário mínimo, a Petrobras e a Siderúrgica Nacional) cavalgou sobre o cavalo de combate à corrupção. O massacre midiático que aleijou JK, também foi fincado no combate à corrupção. A derrubada do governo trabalhista de João Goulart foi feita contra “o comunismo” e em nome do combate à corrupção, aquela assistemática do tipo cupim.

De fato, o regime militar de Castelo Branco, em fevereiro de 1967 editou o Decreto-Lei 200 – a Reforma Administrativa que nos foi orientada pela elite norte-americana no sentido de combater a corrupção nos governos, mas olvidando a corrupção nos mercados. As medidas de combate à corrupção que havia nas obras, nas compras e nos serviços contratados pela Administração Pública recebeu uma Disciplina Sistemática pela primeira vez na história do Brasil. Estava lá, nos seus artigos 125 a 144, o metódico sistema de contratação de bens e de serviços entre o Estado e os Mercados. A famosa Licitação! Na medida em que a Licitação ia sendo implementada território adentro, Estados e Munícipios extinguiam suas enormes secretarias de obras. Pedreiros, assistentes, chefes de obra, a “peãozada ladroeira” toda foi posta no olho da rua.

E foi assim que começou a era da famosa “Corrupção Sistêmica” que privilegiou Fornecedores e Empreiteiros de Obras Públicas, que logo se organizaram em Sindicatos e Associações que passaram a controlar os orçamentos do Estado, desde as primeiras formulações até o conteúdo da proposta final votada pelos parlamentos.

 Em correlação com o Sistema Licitatório aperfeiçoou-se o “Sistema Apropriatório” que enriqueceu muitos burocratas e autoridades durante o regime autoritário civil-militar. Depois da democratização em meado dos anos 80, o sistema evoluiu para adaptar-se a escolha de governantes pelo voto popular. O sistema apropriatório que estava sistematizado para sincronizar com a gestão dos contratos para o custeio e para o investimento, aperfeiçoou-se para açambarcar, também, o processo eleitoral. Quando fui candidato a deputado estadual em 1986 este sistema já vigia, escancarado e a todo vapor: a Rede Globo de rádio e TV apropriou-se do espaço público da campanha eleitoral. Valter Pereira e Sérgio Cruz foram os últimos políticos eleitos fazendo discurso em ponta de esquina, em cima de caixa de madeira. Em 2012, quixoteando esse sistema, fiz uma campanha de rua em Terenos.  Fui vencido pelos computadores e pelo dinheiro empresarial que jorrava solto engordando as moitas julianas.

Todos na Grande Família conheciam o Sistema Apropriatório e dele tiravam proveito: políticos-empresários-jornalistas. Enorme parcela do Judiciário gravitava apenas na esfera formal dos autos, enxergando o mundo pela estreita lente da Escola Exegética de Napoleão.

O mercado que operava o sistema apropriatório (de bens, recursos financeiros e homens de decisão) foi atropelado pelo mercado rentista quando este decidiu implodir os subsistemas eleitoral e orçamentário das propinas licitatórias, única fórmula que entenderam eficaz para “arrancar” o Partido dos Trabalhadores da governança, ou melhor, da gestão financeira do Estado. Os mecanismos de blindagem para proteger a grande massa de políticos conservadores e seus partidos - que monopolizaram o sistema de caixa dois com exclusividade até a eleição de 2002 - falharam sob o impacto das forças livres que atuam na Internet.

Depois de Getúlio e de Jango, o bode expiatório do combate a corrupção passou a ser exatamente aquele que mais aperfeiçoou, na história do Brasil, desde a chegada dos navegadores portugueses, as políticas públicas de enfrentamento da corrupção.  Enfrentamento institucional sistematizado e, portanto, sustentável e aperfeiçoável.  Sem as medidas legislativas e administrativas dos governos do PT, entre 2003 e 2014, não seria possível essa pirotecnia que assistimos hoje com as exibições da Lava Jato.   Moro nunca foi poderoso.  Dilma Rousseff foi quem promulgou a lei que encheu de poderes a Lava Jato.

Lula sistematizou o enfrentamento jurisdicional à lavagem de dinheiro e à corrupção. Dilma o aperfeiçoou.


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