Tempos de encontros virtuais e de promessas que se alimentam de fakes vestidas de fantasias






Não há maldade nenhuma em relacionar o agravamento da crise política brasileira à demolição da liderança de Lula. É uma constatação honesta, óbvia, da realidade nesta de fase fakes e fantasias em guerra com o espírito do tempo.

Depois de 21 anos, o regime militar devolveu ao país um sistema político putrefato depois de ter aniquilado as lideranças em construção e demolido os espaços de formação política popular. Lula foi a principal liderança a emergir no curso da ditatura. A novidade é que sua formação se deu dentro de um sindicato e com grande margem de independência, à revelia do controle que as forças do capital impuseram para destruir o trabalho de Vargas e de Jango. Foi dentro do movimento sindical que Lula floresceu e atraiu partidos de esquerda e lideranças políticas emergentes, como FHC. É desse encontro que nasce o movimento que vai explodir nas Diretas-Já detonando a ditadura civil-miliar instalada no golpe de 64.

O pós 1988 configura o sistema político (regime democrático do Estado de Direito Constitucionalista) que floresceu com a esperança que foi concentrada nas pessoas de Tancredo Neves, FHC e Lula. Mas, o que chegou até estes dias foi a experiência do republicanismo socialdemocrata que se deu entre 1994 e 2016. Esta é fase em que forças de direita, de centro e de esquerda acabaram convergindo, desde 2013, para exterminar pela pressão, pela sabotagem, pela mentira e pelo golpe, cada uma com objetivo diferente, mas todas se harmonizando para cumprir papel diferenciado, mas, determinante no processo de demonização do PT e criminalização da política.

Erro de estratégia do PT, de Lula?  Penso que, se há erros de estratégias, estes devem ser tributados – em primeiro lugar - aos setores da esquerda que apostaram em resultado vantajoso para a própria facção, quando startaram a luta contra a hegemonia do PT (40% dos votos, de largada), supondo que uma baixa nesse percentual resultaria descarrego para o mesmo campo ideológico – ignorância sobre um dado cruel da realidade: a imensa maioria do povo brasileiro é ideologicamente analfabeto e, comportalmente, conservador. Em segundo lugar, aos que, depois de alcançado o limite do golpe neoliberal (a prisão de Lula como medida necessária para impedir a volta da esquerda à gestão do orçamento), escolheram fortalecer o aprisionamento da esperança das massas populares, supondo ter cacife para cumprir o papel de coveiro e, daí, assumir a liderança na ‘nova esquerda’ socialdemocrata. 

São esses que vão dar causa à maior abstenção de votos que o Brasil já teve em suas eleições presidenciais... Votos nulos e abstenções são sintomas de um sistema político em crise.  Nas eleições de 2018, deu causa a uma transformação perversa para a qualidade de vida da maioria do povo brasileiro e, também, para a preservação do Planeta e decadência do conceito e das relações internacionais do País: a eleição de um idiota, carregado aos ombros de nazifascistas e posto a serviço do neoliberalismo antipatriótico e criminoso.

Sem lideranças confiáveis e legitimadas pela esperança que anima o povo trabalhador, não há outra alternativa: persistência e aprofundamento da polarização política! É esta polarização que aniquilou com o bipartidarismo insosso, tão desejado de alternância pela mídia que endeusa os sistemas econômico e político posto como objeto de desejo da classe média e dos ricos (e por pastores de muitas denominações religiosas), pela propaganda norte-americana.

O centro e a direita sempre tiveram, sabiamente, esta certeza: a força política e eleitoral da esquerda brasileira se concentra na esperança que Lula representa para os interesses da maioria assalariada e pobre do País. Matar essa esperança é a única condição para que as forças da direta acessem ao poder. A extrema direita, transformando o Exército, PMs, Igrejas pentecostais e potências maçônicas em partidos políticos, foram mais rápido no gatilho: com competência e habilidade deixaram as esquerdas, até hoje, desnorteadas e imobilizadas.

Mas, a denúncia de erro estratégico de Lula/PT é dirigida a um trecho mais restrito da história: a trama da prisão e condenação de Lula pelo sistema Operação Lava jato, claramente uma farsa praticada pelo ativismo da direita burocrático-jurisdicional da região Sul, fortemente contaminada por preconceitos supremacistas, autoritaristas e fascistas.

Afirma-se que Lula errou ao reagir à ordem de prisão entregando-se. A alternativa seria não se entregar à autoridade policial: ¹opor resistência (autorizando o uso da força, da violência policial contra a sua pessoa); ou ²empreender fuga (atraindo perseguição armada e pedindo asilo numa embaixada estrangeira).  Lula justificou: não devia nada à Justiça e nada tinha a temer; no final, a verdade e a justiça prevaleceriam. Atitude estrategicamente correta: como Jesus e como Sócrates (dois baitas paradigmas da Civilização Ocidental), preferiu agir em obediência à lei – a questão prevalente aí é a jurisdicional e não a política. Se morto na resistência ou na fuga, alternativa ineficaz e inútil. Se exitosa a fuga, Lula seria julgado e condenado com maior rigor, rapidez e presunção de culpa: a pessoa que foge da responsabilidade ou esconde fatos de sua conduta sinaliza que tem culpa no cartório. A sua defesa seria extremamente dificultada, o processo já estaria findo e sua fama ladrão soterrado bem fundo a sua honrosa obra de político e de gestor público.

A sentença condenatória de Lula ainda não transitou em julgado, a questão da sua inocência e do erro de seu julgamento ainda está em debate nos tribunais superiores. Lula, com seu gesto de humildade conquistou o direito de lutar com dignidade desafiando as instituições do Estado a exibirem provas de sua culpa e a apresentarem argumentos verdadeiros que demonstrem a sua responsabilidade penal.  Do outro lado da corda esticada, aglomeram-se grupos poderosíssimos dos mercados, das instituições burocráticas do Estado, Forças armadas à frente, e da Sociedade Civil organizada (Igrejas, maçonarias, associações conservadoras, partidos políticos, sindicatos patronais, mídias e comunicadores de massa, etc), todos unidos para pressionar os membros do Supremo Tribunal Federal a que deixem de cumprir com isenção o juramento que prestaram face a Constituição brasileira ao assumirem as funções de seus cargos.

Com Lula preso, a solitária de Curitiba não oprimia apenas um homem, um cidadão. Ali estava sufocada a voz e imobilizada a ação de muitas dezenas de milhões de brasileiros. Ali permaneciam sufocados os sonhos e a esperança da maioria que é espezinhada, humilhada e odiada por essa elite ignara, supérflua, ignara e perversa que se apraz com o exercício do ódio.

Ali, a extrema direita martelava permanentemente a picareta com que a propaganda dos fascistas tentava reduzir os pilares nos quais se sustentavam quase metade dos eleitores brasileiros que confiavam e queriam Lula de volta.

A prisão de Curitiba imobilizava e calava a liderança de maior prestígio, com potencial de cabalar dezenas de milhões de votos para a candidatura de esquerda vencer o opositor farsante, artificialmente vendido como mito para ludibriar o ingênuo propósito das massas hipnotizadas como manada.

O Lula Livre era a mobilidade social possível da esquerda, atada e amordaçada, diante de um povo paralisado pela dúvida e desarticulado pela decepção das acusações de roubo e corrupção.

Lula Livre era a urgência daquele instante protagonizado por personagens como Batman e Super-Homem, por meio de atos e vozes orientadas pelos fakes e vazamentos conduzidos por iniciativa dos fascistas.

No acampamento de vigília Lula Livre em Curitiba pulsou sinal de vida durante 580 dias ininterruptos, ato político de resistência e de solidariedade cujo valor, real ou simbólico, só poderá ser mensurado e qualificado com a concorrência do tempo e pelo julgamento da história.

A trama de fatos que constituem a prisão, julgamento, condenação e efeitos imediatos e mediatos da exclusão de Lula da eleição de 2018 como manobra golpista ainda mantém a atualidade de seu movimento.

Com a promessa de atrair investimentos estrangeiros, os adversários do povo trabalham frenética e atabalhoadamente para redefinir os rumos da economia, da política e da vida social e cultural brasileira no sentido de implementar medidas neoliberalizantes, ao mesmo tempo em que a extrema-direita, dentro de um amplo movimento de subordinação a um projeto internacional de neocolonização do País, promove absurdo rompimento com compromissos que foram assumidos para responder às necessidades do desenvolvimento nacional: a redução das desigualdades sociais, a solidariedade com os interesses da classe trabalhadora assalariada e a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental, com atenção à saúde, a seguridade social, a educação, a are e a cultura, bem como, a defesa da segurança nacional e a proteção da vida e da dignidade humana. Todos estes valores estão sendo desqualificados e bombardeados por setores retrógrados que se orientam por preconceitos anticientíficos, medos infundados, autoritarismo e fundamentalismo religioso.

A menos que a atividade política seja reduzida ao momento técnico, fugaz e emocionalmente tenso, da disputa partidária para renovação de mandatos eleitorais, esta fase de polarização do sistema político, marcada por manobras e discursos políticos carregados de energias manipuladoras que flertam o tempo inteiro com vetores de violência, recomenda cautela e uso abusivo de bom senso e de tolerância da parte competidora, cujos cálculos indiquem vantagens mais à frente como resultado da simples inércia.  

Não se pode deixar de constatar, no dia a dia da escalada da governança, que as merdas que o presidente fala e as cagadas que os ministros comentem estão derrubando a aprovação ladeira abaixo em grandes percentuais. Ao mesmo tempo, fica claro que o governo não assume os erros que decorrem da inaptidão da equipe executiva. Por isto, todo empenho do discurso político em apontar culpados nas outras esferas institucionais com as quais o governo se relaciona, visando, sempre, a manutenção da credibilidade e do vitimismo que agrega seus eleitores.

Lula e o PT tem sido apontado como responsável por tudo de errado que essa gente tem feito em prejuízo dos interesses do País e de seu povo trabalhador.  Nestas circunstâncias e no frio isolamento da pandemia, talvez seja conveniente ao partido de melhor performance eleitoral na esquerda (é desta performance que vem espontaneamente o protagonismo) concentrar-se na formulação de um programa a ser debatido pelas redes sociais visando a inauguração de um novo período, de uma nova política, de um anova economia, de uma nova utopia para a superação do atraso no qual estamos encalhados no momento.

O governo Bolsonaro - com o neoliberalismo de Guedes, o terraplanismo de Olavo, o autoritarismo dos quarteis e com o fundamentalismo de Malafaia - caminha célere para o precipício onde vai cair sozinho. Não precisa mais que o exercício da oposição no Congresso para que a esquerda acompanhe o balizamento deste féretro.

 Restam as perguntas.

Com que fato, com que evento ou trama da linha do tempo, o PT, e as ‘suas’ organizações sindicais, deveria se envolver em questão de debate e de mobilização?  Que interesse, que situação emotiva, que problema racional se apresenta, imediatamente, como impulso capaz de agitar – eficazmente - a mobilização social? Que liderança ou qual necessidade por diante das massas para despertar interesse ou esperança neste quadro de descrédito, desalento e pandemia? 

Só a absolvição ou a anulação do processo de Lula poderia desencadear energias mobilizadoras num ambiente de eleição presidencial.    O impeachment de Bolsonaro representa um obstáculo ao chamamento de novas eleições.

Os militares acreditam na fidelidade de Mourão...

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