Ajustes feitos no julgamento do recurso para conveniência da imagem da Lava Jato
LEONARDO STOPPA - no Brasil 274:
Por que o processo do suposto tríplex do Lula precisa ser anulado - 29 de janeiro de 2018
“Por ‘questões de fato’ entenda-se tudo que é
discutido no processo em termos de prova, e sobre o que realmente aconteceu,
por exemplo: houve propina ou não houve propina? Tem ligação com a Petrobrás ou não tem ligação
com a Petrobrás?
- Isso
significa que o TRF 4 poderia ter reformado a sentença do juízo monocrático
neste particular para corrigir a nulidade em comento, para isso ele precisaria ter declarado o contrário do
que fora dito na sentença, reafirmando o contexto fático de que havia sim
ligação entre o caso do suposto Tríplex do Lula e os desvios da Petrobrás.
- Fazendo
isso aquele colegiado teria reformado a decisão original, fazendo prevalecer
como reconhecido no processo que existia sim ligação entre o caso do suposto Tríplex
do Lula e os desvios da Petrobrás, corrigindo assim a falta de substrato fático
que respaldasse a conexão de ações e a prevenção do juízo de Curitiba.
- Mas
ele não fez isso e a nulidade se apascentou no processo. ” [LER AQUI]
....
Até aqui, beleza, 100% de acordo com a análise do competente LEONARDO
STOPPA. Neste ponto, porém, divirjo.
Não que o processo não deva ser anulado. Apenas discordo que o recurso não tenha modificado o conteúdo do pressuposto fático que apontaria para o comportamento de lula para o favorecimento da OAS empreiteira - apontada como a dona do dinheiro, pessoa jurídica que não se confunde com a OAS imobiliária - a verdadeira dona do tríplex. O argumento do acórdão é uma tentativa de retorno ao trilho construído inicialmente pela denúncia do MPF. Mas, retorno apenas parcial, pois em vez de se reportar aos três contratos preferiu descrever como teria se dado a interferência de Lula na nomeação dos diretores da Petrobras que teriam beneficiado a OAS em todos (?) os contratos.
Tento esclarecer melhor.
Entendo que o TRF-4 se pronunciou sobre o tema, mas para corrigir a compreensão que
a cognição do juiz singular havia dado sobre essa questão fática, tão decisiva
para a fixação da competência. Assim. O juiz singular absteve-se de usar a
circunstância fática narrada pelo MPF na denúncia. Melhor esclarecendo: a decisão
do juiz indica claramente – nos embargos declaratórios – não ter sido encontrado
no processo fato e/ou prova que evidenciasse o pagamento de vantagem da OAS-empreiteira
para o Lula, por meio dos três contratos indicados na denúncia, como a
circunstância fática que teria materializado a conexão real entre o recebimento
do tríplex por Lula e a corrupção dos
diretores da Petrobras. Por essa linha de raciocínio, não estando
evidenciado o fato como se deu essa operação, a sentença optou por afirmar que
a conduta do ex-presidente que favoreceu à OAS-empreiteira se consumou por meio
de “ato de ofício indeterminado”. Bem se sabe que essa expressão não determina circunstâncias
de modo, tempo e lugar que são necessárias para tipificação da ação criminosa,
então a hipótese da conexão da conduta descrita na denúncia (três contratos
com a Petrobrás) com a prática de
corrupção na Petrobras restou inaproveitável para a afirmação do crime
(mérito da causa). É possível que, a partir desta constatação, se tenha
direcionado a argumentação para o tal “ato indeterminado”. Medida técnica que
resolveu o problema da relação causal do mérito da acusação, mas olvidou a
questão da conexão que era essencial para legitimar o deslocamento da
competência para a competência especial da vara de Curitiba.
Diante
da constatação da falta de suporte para a competência especial, o TRF4
modificou o fundamento da sentença para estabelecer circunstância fática para tipificar
a conduta de Lula, praticada enquanto esteve na posição de presidente da
República: indicou ou orientou a nomeação de diretores para cargos da Petrobras,
consciente de que essas pessoas estariam praticando atos de corrupção para
beneficiar financeiramente o PT e os partidos da base aliada. Como exemplo desta conduta, foi tomado um fato
que teria ocorrido durante o primeiro mandato do sentenciado. Para atender
pleito de aliados no Congresso, teria pressionado a diretoria da Petrobras a
cometer a nomeação de um diretor indicado pelo PP. Esta atitude do presidente,
porém, segundo a própria narrativa do relator, foi a resposta que Lula deu para
desmontar uma resistência no Congresso Nacional, pois o PP estaria cometendo ou
ameaçando de executar uma obstrução na pauta de votações, fato que prejudicaria
o fluxo das ações do Governo que dependiam de autorização legislativa naquela
conjuntura.
Então.
Ficou claro nessa exposição que a conduta do presidente, no evento noticiado
pelo voto, estava em conexão com uma precisa adversidade experimentada dentro
do Governo e não na esfera dos Mercados. Era a presidência, movida pelo
interesse de dar fruição às políticas públicas em favor do bem comum, versus um
grupo parlamentar movido pelo interesse de colocar um aliado num cargo
público. Este o sentido da conduta do
presidente da República, cuja missão primeira é garantir o funcionamento do
Governo.
Estender
essa atitude da autoridade para generalizar sua particularidade, ao ponto de
abranger todas as hipóteses de nomeação de diretores para cargos da Petrobras,
por si, já é uma extravagância que só o açodamento de fundo emocional pode
explicar.
Pois foi isto, precisamente, que o voto do
relator fez ao afirmar que o
ex-presidente Lula recebeu o Tríplex que já lhe estava destinado como vantagem (bem
como solicitou respectivas reformas), em razão das nomeações que fez para a Diretoria da Petrobras, estando
ciente dos crimes que ali esses diretores praticavam em conluio com os
empreiteiros de obras públicas.
Como está claro, esta versão do acórdão visa a
salvação da sentença do juiz da Lava Jato. Essa tese tem a finalidade de afirmar
a tipificação do crime de Corrupção passiva sem a arriscada quebra da conexão
da Compra do tríplex com os delitos da Petrobrás.
Com isto, duas contingências perigosas se
apresentam na situação pós dia 24 de janeiro:
primeiro, porque reafirmou o sentido do embate político entre o Juiz Moro
e o candidato Lula nos processos da Lava Jato. Os pronunciamentos dos três juízes
do tribunal reforçam a ideia de que, quem estava sendo julgado ali, era o juiz
Sérgio Moro e não o sentenciado Lula. Nesta
relação pessoal, o corporativismo falou mais alto que a imparcialidade silenciosa,
como é recomendada pela ética, moral e jurídica.
O segundo risco está na esfera institucional do
embate vertical: é que nesse embate pessoal, aos olhos da elite jurídica local
e internacional, estava em jogo uma disputa entre duas esferas da mesma
pirâmide organizacional numa luta pela afirmação de prestígio e de respeito, ou
seja, a clara disputa midiática pela posse da balança e da espada que simbolizam
a autoridade da Justiça: de um lado a Lava Jato com seus métodos de exceção
justificados por um discurso de resultados, de eficácia, típico da valoração
mercadológica; de outro, a esfera não-lava jato do plano horizontal e
do estamento vertical da Instituição corporificada no Poder Judiciário
Nacional. No pronunciamento do TRF-4 estava em jogo a necessidade de afirmar-se
o prestígio e a autoridade da Justiça brasileira, como alternativa à
conveniência de salvar a instrumentalidade da sentença do juiz e de todo o
trabalho da Polícia Federal e do Ministério Público Federal na conjuntura do
ano eleitoral que decidirá sobre a continuidade ou não do projeto neoliberal.
Neste ponto dos riscos assumidos, outra contingência
de desdobramentos imprevisíveis assombra no horizonte: a ONU está mais
municiada de fatos e de argumentos para fazer o seu pronunciamento sobre o
julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com autoridade sobre as
nações do mundo civilizado.
Isto tudo é problema. E quanto mais se aprofundar no aumento da complexidade do caso, mais riscos se produzirão no futuro e de forma incontrolável.
O problema, ao meu ver, tem origem metodológica. O objetivo do processo é a Realização do Direito e não a Aplicação da Lei para punir inimigo ou adversário; ou, ao contrário, a omissão na aplicação da lei para poupar amigo ou aliado.
Quando há interferências de outros sistemas de poder sobre a atividade do sistema judiciário este fato pode causar enormes prejuízos às duas funções críticas da jurisdição, que são os dois momentos fundamentais de qualquer processo de conhecimento, cível ou criminal, da esfera pública ou privada, conforme nos informa o campo de investigação científica da Sinépica: na vida real, “o processo de
Realização do Direito não se exaure no clássico caminho entre a determinação da
fonte e a aplicação. Quando procura a fonte, o juiz já tem em mente quais
os fatos relevantes e qual a sua ‘qualificação’. Na entrada do sistema cognitivo, “o caso
alarga-se ao pré-entendimento da matéria, verdadeira condição
de funcionamento de todo o processo nos passos seguintes. E, na saída,
estende-se à ponderação das consequências, garantia de adequação
da resposta encontrada” para o problema apresentado ao conhecimento do
intérprete-aplicador. A resposta adequada será aquela que soluciona o
problema jurídico sem criar novos problemas não
jurídicos no ambiente social.
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