Salvar o prestígio do Judiciário ou manter as aparências midiáticas da Lava Jato é uma das consequências do dia 24
O julgamento de Lula é preponderantemente político, mas a responsabilidade do Judiciário será econômica, política e institucional. Por isto, cada juiz terá de escrever aí a sua história com a caneta na própria mão.
A
cultura jurídica brasileira herdou da escola exegética da França a ideia de que
o Direito é uma ciência para resolução de casos concretos por obra do
intérprete-aplicador que prolata a sentença. Para cumprir tal mister, o juiz
caminharia por uma trilha de várias estações formando uma operação de múltiplas
fases: localizar a fonte pertinente; interpretar essa fonte para dela extrair
uma norma concreta para o caso; apurar os fatos relevantes; qualificar
tipicamente esses fatos, mediante subsunção dos fatos à lei para, finalmente,
fazer a aplicação da lei impondo os efeitos legalmente imputados.
É
daí desse processo intersectado em fases cognitivas que resulta o discurso que
apela para o posicionamento técnico que justifica a ideia de imparcialidade do
julgamento.
Fala
recende do juiz Sérgio Moro, depois da avalanche de críticas que recebeu da comunidade
jurídica daqui e do exterior, indica esse tipo de esquiva: “não respondo pelas
consequências não jurídicas do julgamento”.
Gebran
Neto, o relator do recurso, afirmou que conduziria o caso de Lula “como mais um
processo que será julgado no mesmo ritmo de outras ações da corte”,
acrescentando “não estou preocupado com as consequências políticas, e sim com
as consequências jurídicas. ”
Por
outro lado, depois dessa fala que foi feita três dias depois da sentença prolatada,
veio o presidente do TRF4 e pôs novos pingos no is. Carlos Thompson Flores disse que tinha pressa
em que o recurso do presidente Lula fosse julgado rapidamente: "É um
interesse da própria nação e dos réus envolvidos. Teremos as eleições mais
importantes dos últimos anos, e o país estará muito vigilante".
O
Fato de o mundo inteiro está noticiando o julgamento do recurso de Lula –
associado ao fato de que o Brasil inteiro está mandando caravanas para as ruas
de Porto Alegre e, nas redes sociais e na mídia, o dia 24 de janeiro ter assumido
o monopólio dos debates e das lutas políticas – é suficiente para evidenciar
que nem o Juiz Sergio Moro e nem o Relator Gebran Neto tiveram suficiente
consciência cognitiva da dimensão do problema que foi levado à Lava Jato, e
para Realização do Direito. Ou tiveram essa consciência, mas, julgaram conveniente esconder com palavras?
Ora,
na prática, há consenso em todas as academias e foros jurídicos respeitados do
mundo ocidental, quanto ao fato de que a velha teoria fracionária da aplicação
do direito não concretiza o melhor método. O processo real de julgamento não funciona
assim, mas configura uma atividade unitária.
Segundo
António Menezes Cordeiro, “confrontando com um problema, o intérprete-aplicador
realiza, em conjunto e de modo indiferenciado, todas as operações analíticas”
chamadas de técnica de aplicação da lei.
“Quando procura a fonte, o juiz já tem em mente quais os fatos
relevantes e qual a sua ‘qualificação’. A busca pela interpretação da norma
aplicável é sindicada pela solução concreta (pré-capturada). No limite, e numa ampliação da ideia de
espiral hermenêutica (dialética), de origem existencialista, o
intérprete-aplicador caminhará dos fatos para as fontes e inversamente tantas
vezes quanto necessário para afinar a solução reconhecida ou reconhecível pelo sistema.”
Na
vida real, “o processo de Realização do Direito não se exaure no clássico
caminho entre a determinação da fonte e a aplicação. Na entrada do sistema, “o caso ajusta-se ao
pré-entendimento da matéria fática, verdadeira condição de funcionamento de todo o
processo nos passos seguintes. E, na saída, estende-se à ponderação das consequências,
garantia de adequação da resposta encontrada” para o problema apresentado ao
conhecimento do intérprete-aplicador. A resposta adequada será aquela que soluciona o problema jurídico sem criar novos problemas não jurídicos no ambiente social.
Significa
que o processo judicial é um movimento único, contínuo, condicionado por dois
momentos críticos de extrema relevância prático-utilitária na linha histórica
do tratamento do problema que a justiça é suscitada a solucionar. Primeiro, o momento do pré-entendimento do
caso conforme a narrativa das partes que contribuem com dados, informes e
provas para a compreensão dos fatos que formam as tramas a serem juridicamente
classificadas. O segundo momento, aquele em que o juiz – tendo exercitado a
dialética cognitiva definidora dos fatos – formula a resposta jurisdicional
para as partes e, também, para a sociedade interessada, principalmente em
matéria de direito público, como a criminal.
A
relação entre esses dois momentos é tão crítica quanto importante para a
solução do problema. Tanto que, se falhar na pré-entendimento do caso, é certo
que o juiz cometerá desastres na ponderação das consequências.
Que o juiz Sérgio Moro tenha falhado nesses
dois momentos, não resta dúvida no meio da comunidade jurídica não envolvida
emocionalmente com as manifestações ideológicas do caso. A começar pela trama central do caso: o pré-entendimento do juiz quanto aos fatos não conseguiu, sequer, identificar e definir com segurança quem seria o proprietário do tríplex que Léo Pinheiro mandou reformar induzido pela conversa fiada de João Vaccari - os dois protagonistas daquela lambança toda.
Sob influxo da mídia, da PF e do MPF, o núcleo decisório da Lava Jato tratou do caso como se o sistema de caixa dois e de propinas revelado
pelos corruptos fosse uma invenção do PT e de seus aliados na governança.
Quando a caixa de pandora foi aberta, a juventude idealista da força tarefa
percebeu que um monstro emergira da lagoa tendo em sua barriga todos partidos
políticos, mas não cuidou de fazer o feedback necessário, nem autocrítica (se é que saibam o que é isto) para corrigir o rumo das ações. Manteve o erro de
leitura, propositadamente e, daí, a percepção social do caso assumiu a
propagada luta contra a corrupção como uma perseguição a Lula e ao PT.
O
pré entendimento mantido foi suficiente para detonar a indústria da construção
civil, naval e militar brasileira, causando danos imensuráveis a economia do
país.
A
prolação da sentença com base no equivocado pré-entendimento, ainda não
produziu seus resultados singulares e nem os político-econômico e sociais que
estão contidos nos efeitos da decisão condenatória.
Mas
esses resultados são facilmente previsíveis. E é essa previsibilidade que está
por detrás das declarações escapistas de a decisão será técnica, restrita
àqueles passos exegéticos da escola de Napoleão, do início do século 19.
Os
tempos, porém, são outros. A comunidade jurídica e a sociedade em geral, no
mundo inteiro, vai cobrar dos três desembargadores do TRF4, a responsabilidade
política, econômica e sociocultural pelos danos que a condenação de Lula
causará à história do Brasil.
Sem
a ponderação ampla, profunda e responsável das consequências do acórdão, não
haverá escapatória. A Lava Jato responderá pelos efeitos desastrosos da decisão
de seus juízes e da atuação de toda força-tarefa.
Só
para lembrar. Primeira ponderação política já está proclamada pela sociedade
civil organizada: a eleição de 2018 sem Lula será uma Fraude.
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